A questão Europa – uma imposição histórica

Crédito: https://twitter.com/GrrrGraphics

As cenas semelhantes a um filme de terror vistas na Europa nos últimos meses, tem levado a um intenso debate sobre questões políticas, econômicas e sociais. Desemprego, marginalização, mendicância, imigração, financiamento do sistema de saúde e etc. No entanto, todas elas estão em voltas da principal questão em debate, qual será o futuro do ’’envelhecido continente’’ após a Covid-19?

O uso do termo envelhecido aqui não tem nenhuma espécie de adjetivação negativa ou jocosa. Sua escolha é justificada, mediante a uma perda de dinamismo político, social e econômico, de um continente que um dia já foi um importante ator no cenário internacional, mas que após décadas de guerras internas e externas em torno de interesses militaristas e econômicos, deixaram como herança um declínio.

Os países chegaram a usar sua experiência, advinda de séculos dessas políticas confrontantes, para desenvolver uma espécie de organização econômica e política unitária que pudesse soerguer tais nações, após a completa destruição ocorrida, durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a União Europeia– não como ideia, mas como prática- repetiu os mesmos erros passados, e manteve-se orientada por uma política liberal que, entre 1990 e 2010, foi mais agressiva do que antes. O gigantesco Tsunami que atingiu seu continente a partir de 2009 não foi suficiente para a mudança da ’’direção do navio’’, e hoje, com boa parte do planeta atingido por outra onda ainda maior, traz o que pode ser chamado de Questão Europa para debate.

Crédito: South China Morning Post/Nestia.

Alguns podem perguntar, o porquê disso? Afinal, apesar da crise, a União Europeia consegue ainda coordenar parcialmente esforços e, mesmo mediante as críticas crescentes dos países periféricos da zona, ninguém aparenta querer passar por algo parecido com o BREXIT. Isso é verdade, porém como qualquer questão oriunda de caráter histórico, social ou ideológico, essa resposta é simples demais, diante de uma questão mais complexa que possui muitas outras matizes e nuances.

A Questão Europa não é neste caso a simples existência de uma união econômica coordenada politicamente, onde permanece uma ideia já bastante desgastada de multilateralismo. A Questão Europa perpassa pela indagação de como este continente, de certa forma ainda unido e articulado, irá apresentar-se perante um mundo onde seu ’’grande protetor’’, os Estados Unidos, estão em franca decadência econômica e política, e que vê a consolidação de um polo magnético de integração asiático tornar-se o coração do desenvolvimento social e econômico do nosso planeta.

A crise que atingiu a Europa entre 1900 e 1945, a retirou do centro das decisões políticas do mundo. Tal responsabilidade passou a ser dividida, então, entre Estados Unidos e União Soviética – esta última emergia enquanto potência socialista, representando interesses de boa parte dos países periféricos do planeta naquele tempo. Os Estados Unidos eram naquele período um centro dinâmico, cultural, político, econômico e social, representando tudo o que a Europa tinha perdido, e que desejava manter enquanto modelo. Contudo, o anticomunismo das lideranças do continente naquele momento as afastou de um processo ainda em gestação, que era o reaparecimento da Ásia no cenário das potências.

Os partidários do Brexit comemoram durante uma manifestação fora de Stormont em Belfast, Irlanda do Norte, quando a Grã-Bretanha deixou a União Europeia em 31 de janeiro de 2020. Crédito: Peter Morrison/AP/China Daily.

A Revolução Chinesa de 1949, responsável por inaugurar um novo período histórico na antiga grande potência asiática, deu início a este processo, durante uma expansão dos processos revolucionários anti-imperialistas da primeira metade do século XX. Os soviéticos buscaram instrumentalizar este dinamismo por meio de instituições de integração econômica e coordenação política bem antes do ocidente. A criação do Conselho Econômico de Assistência Mútua (COMECON) foi um desses instrumentos que obteve sucesso em algumas décadas, apesar de seu colapso a partir de 1988.

No entanto, frente ao temor de perder seu papel protagonista na política internacional, e se render a um mundo capitaneado por não-liberais, boa parte da Europa optou por seguir em manter-se junto a Washington, mesmo sabendo que seus territórios tornariam-se bases militares do país norte-americano. A antiga e próspera colônia dos britânicos, não apenas havia tornado-se uma potência, mas o principal ’’bastião’’ de defesa do chamado ’’mundo livre’’, embora essa fosse uma escolha que nem todos os líderes europeus estivessem dispostos a fazer. Charles De Gaulle e Winston Churchill foram os mais temerosos desta política, porém ao perceberem seu isolamento posteriormente, terminam por se submeter dada essa fragilidade adicionada ao crescimento do poderio do campo socialista no mundo.

A emergência do neoliberalismo, cujo alinhamento ao ressurgimento do fascismo é histórico, trouxe de volta ao mundo fantasmas que aparentemente foram exorcizados na Segunda Guerra Mundial. Alastrando-se como uma espécie de vírus- usando de forma poética o termo-, na década de 1980, onde atinge países como Estados Unidos e Grã Bretanha, que frente ao crescente ritmo de crise que se desenvolve na União Soviética ao longo da segunda metade da mesma década, consolidou este modelo a nível mundial, a ponto de ter sido necessária a constituição de um consenso político para o estabelecimento desta ordem. O famoso Consenso de Washington.

A 1º Cúpula da OTAN. Paris, 1957. Crédito: Brian Brake/https://collections.tepapa.govt.nz/

Em vários termos, o Consenso de Washington contrapunha-se à ordem estabelecida em 1945, e sua grande ’’estreia’’ realizou-se através de uma série de violações registradas ao vivo e a cores, no Panamá e Iraque. No entanto, a Europa, frente à desintegração do campo socialista, buscou reafirmar-se enquanto potência, agora unida, embora sob as ’’asas protetoras’’ da águia estadunidense. A União Europeia era uma espécie de rejuvenescimento da ideia de Europa, de ’”civilização ocidental’’ que poderia equilibrar o poderio hegemônico, pertencente agora unicamente aos Estados Unidos.

Porém, sua adesão ao neoliberalismo de maneira paulatina, foi tornando-a ainda mais refém de um ocidente, tornando-se uma espécie de rei simbólico, cujas chaves do reino estavam nas mãos de um soberano estrangeiro, que lhe garantia os escudos militares para ’’proteção’’ de suas posses. Uma proteção feita a revelia de seus interesses, e que em certos momentos foi mesmo humilhante, como no caso da Iugoslávia em 1999, quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou o país sob mando único da ’’polícia mundial’’, então comandada pelo presidente estadunidense Bill Clinton.

Em 2000, mais uma vez, abriu-se a escolha aos europeus, agora melhor coordenados e unidos, de aderirem a um novo mundo multipolar que emergia. Inclusive, curiosamente, antes de 2010, na ocasião das reuniões do G8+3 e G20, ocorreram discussões sobre reformas da Organização das Nações Unidas e da possibilidade de renovar o sistema internacional. Contudo, estes debates eram desenvolvidos a contragosto dos mesmos europeus. Mais uma vez, a referência européia nos Estados Unidos e nas políticas neoliberais colocaram o continente em direção oposta. Sua submissão foi tal que, em 2014, a revelia de sua opinião em relação a entrada da Ucrânia na União Europeia e na OTAN, foram completamente ignorados na famigerada conversa de Victoria Nuland com o embaixador estadunidense em Kiev.

A emergência da Ásia, enquanto um polo central político e econômico mundial, é uma das causas desta instabilidade, pois a recusa pública dos europeus de participarem de um mundo multipolar a partir de 2010 trouxe uma espécie de ’’acorrentamento’’ ao destino dos Estados Unidos que passaram a lutar com cada vez mais agressividade para manter sua hegemonia. Esta ligação, embora desigual como já colocado, foi completamente posta em cheque com a ’’guerra de sanções’’ de Barack Obama contra Rússia, e mais recentemente com as tarifas de Donald Trump contra todos, inclusive eles mesmos.

Um auto-isolamento que denunciava não apenas a decadência de Washington, mas que sobretudo põe o continente em uma situação crítica devido a escolha de permanência no chamado ’’bloco ocidental’’.A opção neoliberal, não apenas desestruturou o continente econômica e socialmente, como destruiu sua própria estabilidade política. O BREXIT, a título de exemplo, não se trata apenas de uma reação ao projeto de integração europeia, mas um reposicionamento dos britânicos frente a um cenário internacional, onde a Europa adotando políticas submissas aos Estados Unidos permanece em um ciclo vicioso de autossabotagem.

Portanto, a mudança de uma política multilateral para bilateral apresenta uma espécie de reafirmação dos britânicos no cenário internacional. Não por acaso Bóris Johnson passa discordar publicamente de algumas posições de Washington, assim como busca traçar uma política própria para com a África e Ásia, orientado ideologicamente pela ressurreição de uma nova Era Vitoriana. Contudo, o mais grave desta situação para o ’’envelhecido continente’’ é que o fascismo, até então um ator periférico na política européia, voltou a ter um protagonismo central.

A Chanceler alemã Angela Merkel ao lado dos presidentes Barack Obama e Xi Jinping na 11º Cúpula do G20 em Huangzhou, China, 2016. Crédito: Damir Sagolj/Reuters.

Novamente, é importante lembrar, que neoliberalismo imposto na década de 1990, promoveu o seu reaparecimento na época, mas sem consolidar-se até aquele momento. A ideologia fascista- estimulada propositadamente pelos EUA tornou-se uma grande ameaça a própria ideia de Europa unida. O perigo de guerras e novas cisões internas no bloco poderia finalmente torná-lo uma área pouco relevante no cenário internacional- periférica inclusive- das potências de um mundo novo que emerge.

Eis aí parte da Questão Europa! uma escolha histórica e centenária- sem nenhum exagero, dado o momento histórico que se apresenta hoje e dentro dos próximos anos- impõe-se ao continente. Por um lado continuar em um processo de decadência, à medida que se mantém unido ao destino dos Estados Unidos, ainda que continue com o status de potência relevante internacionalmente, será apenas mais uma entre outras, e não a principal; ou unir-se ao projeto de Integração Euro-asiática, proposto a partir da parceria estratégica de Rússia e China, pedra angular do destino de uma nova ordem mundial nas próximas décadas do presente século.

Até o momento anterior a pandemia, a Europa mantinha sua indecisão, embora reconhecesse ser impossível manter-se isolada na nova ordem emergente. Não apenas programas de reforma da organização eram discutidas, como uma série de movimentos políticos na sociedade emergiam contra o modelo existente de União Europeia, onde os Coletes Amarelos eram apenas um. Tanto Bóris Johnson, quanto outros líderes europeus, a exemplo do que ocorreu na França, Itália e Hungria, reconheciam a importância da China no cenário econômico global. É preciso lembrar que o presidente Xi Jinping visitou o continente no ano passado para firmar uma série de acordos, iniciativas e fortalecer relações com os países da região, nas tradicionais cúpulas União Europeia e China.

Protesto dos Coletes Amarelos na França. Crédito: Patrick Hertzog/RT France.

Contudo, a orientação ocidentalizante, fruto do neoliberalismo, tem somado forças contra este caminho, onde não apenas a França, mas a Alemanha, Países Baixos e outros países sentem-se ameaçados por qualquer reforma em âmbito estrutural na União Europeia, assim como com a presença cada vez maior da China. Boa parte da sociedade europeia ainda é a favor da presença da OTAN, que mantém uma relação agressiva com os russos, mesmo durante a pandemia.

No entanto, este elemento imprevisto, isto é, a Covid-19, acelerou não apenas um processo de degradação das relações entre Estados Unidos e União Europeia, como agravou ainda mais as estruturas políticas do continente, reforçando o momento de decisões para o ’’envelhecido continente’’. O fracasso europeu- aqui é crucial salientar que não se trata de todos os países, mas do bloco em geral-, no combate à Covid-19, junto com a incapacidade estadunidense- que também ainda não controlou minimamente a pandemia-, trouxe uma série de questionamentos, não apenas ao sistema europeu, mas as próprias escolhas feitas ao longo das últimas décadas.

O neoliberalismo desestruturou a cadeia produtiva europeia e suas instituições sociais de grande importância no combate ao vírus. E as medidas neoliberais são, de certa forma, parte também do conjunto de exigências já feitas por vários movimentos nos países europeus contra os cortes orçamentários em serviços públicos como saúde e educação, além de privatizações em setores econômicos chave (Algo presente entre as manifestações dos Coletes amarelos!).

Protestos na Grécia contra medidas de austeridade na crise econômica em 2011. Crédito: AFP/Getty Images/CNN Business.

Tudo isso criou um cenário devastador nestes países, com uma série de manifestações de rua, crescimento da repressão, assim como instabilidade de governos que já estavam em situação frágil. A velocidade dos acontecimentos tem acelerado a necessidade de escolha, apesar da hesitação das lideranças, e que pode levar seu destino a ser semelhante ao dos Estados Unidos. Ou seja, insistir em uma polaridade política que mais evidência o colapso de sua capacidade de impor seus interesses tanto no mundo, quanto até dentro do próprio país se não pela força.

Frente a tudo isso, a Rússia e a China, não apenas aparecem como exemplos de combate ao vírus interna e externamente, como apresentam-se como países estáveis e responsáveis em um mundo de caos social, político e econômico. Os mesmos países responsáveis pelo projeto de integração econômica de maior envergadura deste século! Um projeto que exerce a condição de um polo magnético capaz de destruir a tradição liberal de séculos de um mundo atlanticista, centrado em Europa e Estados Unidos.

A Questão Europa é um ponto de interrogação do atual período histórico, que dado o declínio da presença estadunidense no mundo, não será fácil de se resolver. Ainda que o continente nunca tenha chegado a ter o status e o nível de subserviência que a América Latina tem para com os Estados Unidos, sua estrutura econômica, científica e militar é, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, uma importante base para o poder e prestígio internacional de Washington. Dito isto, também se faz crucial salientar que abir mão de uma submissão histórica aos estadunidenses não é algo simples para um continente dependente financeira, estrutural e militarmente dos mesmos, uma situação que foi construída ao longo da segunda metade do século XX.

O líder do Conselho de Estado da China, Li Keqiang (meio) ao lado do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker (à esquerda) e do Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk (à direita), presentes na Cúpula União Europeia-China, em Bruxelas, Bélgica, 2015. Crédito: China Daily.

A mais importante figura política da Europa, a chanceler alemã Angela Merkel tem tido uma posição bastante dúbia, pois apesar de suas pesadas críticas direcionadas à Casa Branca, durante o governo Trump, o inverso dá-se com os democratas- que podem até voltar a presidência e mudar o paradigma atual-, dando esperanças à direção do bloco europeu. Afinal, ela nunca criticou pública e diretamente a presença da OTAN na Europa, mesmo quando seu vizinho, o presidente francês Emmanuel Macron, chamou a aliança militar de ’’Cérebro morto’’ e propôs a criação de um ’”Comando Militar Europeu’’- que ela, a princípio, rechaçou. Aliás, é curioso observar que as bases militares estadunidenses ativas na Alemanha não são nem mesmo tema de discussão nos mais altos círculos alemães, da direita à esquerda.

No entanto, não é apenas o ’’colega Macron’’ que diverge da necessidade de existência da OTAN. Na Itália, assim como na Turquia, tem-se observado inquietações- mesmo com a posição mais neutralista de Recep Tayyip Erdoğan. Isso somado a questões econômicas e sociais que eclodem em diversos países contra as posições alemãs- em especial na discussão do pacote de ajuda após a pandemia-, tem cercado Berlim e Bruxelas de críticas que podem levar a uma desintegração do bloco europeu ou paralisação por inércia.

Inércia que já ocorre no debate sobre este mesmo pacote de ajuda que tem durado meses sem definição. Uma paralisação deste tipo traria graves consequências, pois isola o continente das principais discussões mundiais que se darão após a pandemia, além de intensificar a presença chinesa a revelia das negociações em bloco, em virtude da lentidão da instituição em tomar decisões.

Crédito: Vitaliy Podvitzkiy/ RIA Novosti/Sputnik.

Ao isolar-se da política internacional, dividindo-se internamente, e mantendo-se submetida aos interesses estadunidenses, a Europa corre o risco de manter-se ainda mais periférica do que se tornou. A dinâmica econômica, social e política existente hoje nos antigos países colonizados pelos europeus, torna-os mais importantes para o processo de integração asiático, do que um continente pouco habitado, com recursos escassos e cada vez menos relevante na inovação tecnológica. Este risco não apenas é real, como está em desenvolvimento, embora ainda possa ser amenizado. Para isso, exigiria uma decisão radical que certamente receberia resposta agressiva dos Estados Unidos.

Em termos ideológicos cabem importantes destaques, pois aderir à integração asiática, formando um bloco Euro-asiático, significaria abraçar uma nova ideia de mundo, abandonar conceitos liberais que por séculos foram a espinha dorsal do exclusivismo da ’’civilização ocidental’’. Isso significaria em termos significativos não apenas uma revisão da história do continente, como de suas próprias instituições e ideias que durante muito tempo foram propagandeadas como as mais desenvolvidas e avançadas da história.

Ideias como propriedade privada- incluso sobre outrem-, nacionalismo, Estado e mesmo povo estariam sendo rediscutidas não apenas a nível acadêmico, como social e político. Tal situação pode levar a transformações indesejáveis na natureza do próprio sistema liberal constituído a partir do século XVII na Europa, período que esta afirmava-se enquanto potência, e que teve como seu espelho a América do Norte, a Austrália e a Nova Zelândia.

Crédito: https://ieep.eu/

Não aderir a este processo de transformação a nível mundial, significa o retorno a um reacionarismo que já pode ser visto em alguma escala nos dias atuais, em boa parte da sociedade europeia, e que esteve exposta no início da crise da Covid-19. O racismo para com os chineses manifesta-se cada vez mais a nível internacional não apenas nos Estados Unidos, mas na Europa também, e em especial entre países dirigentes da União Europeia como França e Alemanha. Ainda que Merkel tenha nos últimos meses enfatizado a importância de manter sólidas relações com a China, sua posição política já não é a da maior parte das forças políticas do país- sua coalizão vem sofrendo derrotas eleitorais e demonstra cada vez mais desgaste político.

Outros países do continente, à revelia do bloco, têm avaliado uma aproximação com a China e uma reorientação geopolítica, a exemplo de Grécia, Hungria, Itália e Espanha- países que têm partidos de diversas orientações ideológicas no poder- que fazem crescer uma cisão. Uma cisma já assentada hoje por outras questões, mas acirrada em razão da negativa da direção da União Europeia em estreitar laços com a China. Algo que faz com que um cenário de ebulição política envolvendo todas estes elementos não seja descartável. Aliás, é algo provável e que está em curso com amplo conhecimento não apenas dos europeus, mas dos próprios chineses.

Possivelmente, mais do que a maior parte das próprias lideranças europeias, auto-confiantes de seu protagonismo civilizacional histórico (oriundo de um messianismo judaico-cristão), Pequim conhece o ’’curso desse rio’’. O estreitamento das relações com italianos e espanhóis durante a crise da Covid-19 é um aviso do que pode estar por vir.

A China poderia, e ainda pode- assim como a Rússia faz hoje-, deixar de lado a Europa enquanto bloco, e priorizar as parcerias com países individualmente. Não se trata apenas da questão de um potencial mercado consumidor, ou de um potencial tecnológico e científico desenvolvido pelo continente em séculos, mas de uma parceria que pode ser proveitosa tanto para os chineses, quanto para os europeus, de todos os pontos de vista possíveis. No entanto, a negativa e a preferência por um isolamento não apenas enfraquece os próprios países do bloco europeu- pois a China vai continuar a negociar separadamente com cada um e aos poucos tornar inúteis as atuais instituições-, como os torna já pouco relevantes no cenário global, em razão de seus recursos humanos e materiais.

Enfim, as consequências de um isolamento europeu para os chineses seriam mínimas a um período de médio e longo prazo, mas para os europeus elas são terríveis já a curto prazo, pois a divisão do continente pode ser acentuada, levando o continente para a zona periférica no novo sistema internacional em desenvolvimento. Estariam as lideranças e sociedades na Europa preparadas para mudar parte da natureza de suas orientações ideológicas e sociais para salvar sua unidade e manter-se protagonista em um mundo onde se reafirmará como potência junto com outras? Ou irá como no século XX apegar-se a um ’’espantalho anticomunista’’, isolar-se da nova realidade internacional e dividir-se em novas lutas internas em razão da ideologia liberal? Apenas o tempo poderá responder a estas questões.

Referências

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LAWRENCE, Patrick. China’s European Moment Has Arrived. In: Consortium News. 2020. Disponível em: https://consortiumnews.com/2019/04/01/chinas-european-moment-has-arrived/.

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Vídeos

CGTN. China-EU trade cooperation. Programa World Insight. 2018 

Entrevista com o embaixador da República Popular da China em Moscou. Programa Sophie & Co. 2019

TELESUR. Moreno: Alianza Rusia-China, um mensaje de multipolarismo em el mundo, 2019

TV 247. Elias Jabbour explica a ascensão da China. 2020

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por Anders Noren

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