A pandemia e as “lives”. Mas o que é uma “live”?

Lives da cantora Teresa Cristina. Crédito: YouTube.

Temos a mania de encampar estrangeirismos – vindos do inglês, especialmente. O “live”, tema destas linhas, é um desses termos. Mas o que é “live”?

“Ao vivo” é a tradução literal, expressão que até poderia ter sido utilizada desde que se disseminou a prática das transmissões de vídeo em tempo real, via redes sociais digitais. Por outro lado, a adoção automática da palavra em inglês, acompanhando esse fenômeno dos vídeos ao vivo, permitiu com que passemos a entender “live” como praticamente um gênero audiovisual.

Logo, quando este texto lança a pergunta “o que é uma live?” não está tratando da semântica. A reflexão aqui é sobre o que “live” significa dentro do universo do audiovisual – e, mais ainda, do ciberespaço. Quando dizemos, lemos ou ouvimos que determinado artista fará uma “live”, o que compreendemos é que se dará uma transmissão em vídeo cuja característica fundamental vai muito além do fato de ser uma exibição em tempo real.

Crédito: Portal Tech Info.

Não é apenas um “ao vivo”. Um “ao vivo” pode ser a cobertura de um acontecimento. A veiculação de um jogo esportivo, de um show artístico. Uma entrevista. Uma sessão no Congresso. Ou seja, qualquer tipo de conteúdo que se refere algo acontecendo no agora.

A “live” pressupõe peculiaridades. A mais óbvia, é de que se trata de transmissão pela internet, em particular em redes sociais digitais. Não pára aí, todavia. Há partidas de futebol, há programas jornalísticos, enfim, há uma porção de outros eventos ao vivo no Facebook, no Instagram, no Youtube, no Twitter, que por si só não chamamos de “live”.

“Live” é o ao vivo, para todo mundo ao mesmo tempo, para a massa, porém com uma interlocução que busca o individual, o olho no olho; que estimula a interatividade entre o, digamos, protagonista do evento e seu público espectador. A “live”, portanto, denota esforço por ser um encontro mais exclusivo, intimista. Certa dose de improvisação, de rusticidade do cenário, do fazer, do transmitir, tudo não só é tolerado, como é esperado pelos interlocutores.

As lives da cantora Teresa Cristina. Crédito: Culturadoria.

O público anseia por estar na sala, no quarto, na cozinha do protagonista da “live”. Ou, vá lá, no seu escritório, na sua biblioteca, no seu estúdio doméstico. Frise-se: doméstico. É verdade que no auge da quarentena pipocaram transmissões ao vivo, de artistas da música por exemplo, com maior sofisticação de cenário, com estrutura ampla, típica dos megaeventos. Mas, para quem assiste, o “live”, nestes casos, fica só no nome. Na prática, falta a essência da “live”: estar pertinho da tela (logo, coladinho ao espectador), falta o rincãozinho mais singular, ali presente.

As “lives” da cantora Teresa Cristina tornaram-se a expressão mais precisa do conceito. Diariamente, depois das dez da noite, Teresa Cristina coloca-se diante de seu celular, de dentro da sala de sua casa, e “se chega” até nós, espectadores, com suas canções. O movimento é recíproco: os espectadores “se chegam” até o apartamento da cantora. Muitos – espectadores famosos, inclusive – “visitam” o cantinho de Teresa Cristina e apresentam-se para os interlocutores da cantora também, por alguns minutos.

Outra “live” bem “raiz” é a da cantora Simone, sempre aos domingos, seis da tarde. O cantar e o contar causos fazem parte da conversa, de uma hora de duração. O aparato audiovisual é o mais básico possível, e não há nenhuma preocupação em esconder eventuais gambiarras. Ao contrário. O se virar nos trinta é que faz a apresentação ser isso que é, e que dela espera-se: um café da tarde domingueiro, entre compadres e comadres.

Frise-se que essa autenticidade independe do fato de a mídia de veiculação ser a internet. Por vezes, as “lives” de Simone são exibidas pelo canal por assinatura Arte 1. O cenário não é alterado, nem a dinâmica da apresentação. A “live raiz” é preservada. “Lives” não se dão, contudo, apenas com manifestações artísticas. A impossibilidade encontros presenciais impôs reuniões à distância, via internet. Mesas-redondas, entrevistas, rodas de conversa sobre os mais diversos assuntos, reunindo gente dos mais variados perfis, estão aos montes por plataformas online afora.

Os problemas com microfone, o gato que sobe no teclado, alguém que passa de toalha no fundo, o barulho da construção ao lado, tudo isso é naturalizado. Porque tudo isso é que transforma o momento em, de fato, uma genuína “live”.

Deixe seu comentário

por Anders Noren

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: