
Diante dessas revelações sobre fortes ligações dos procuradores de Curitiba, Lava Jato, e seus delegados, com o FBI e Departamento de Justiça dos EUA, estreitadas nos governos Lula e Dilma, veio à lembrança o comportamento inocente dos dirigentes da República de Weimar. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, assumem o governo da Alemanha, os sociais-democratas, felizes por terem posto fim à monarquia alemã com a deposição do Kaiser. Os militares alemães, que tinham levado a Alemanha à guerra e responsáveis pela derrota, saem de cena, que passa a ser ocupada pelos novos dirigentes que vão assinar o Tratado de Versailles, de rendição alemã, humilhação e com consequências econômicas terríveis.
Os representantes da Alemanha são acusados de traição. Os militares ficam de fora, unem-se aos fascistas, passam a representar o orgulho nacional ferido, surgem o partido nazista e Adolf Hitler, a economia entre em desastre, o governo sucumbe, acontece o que aconteceu. Os inocentes sociais-democratas são tragados, juntamente com comunistas, católicos e demais setores de esquerda e democratas. O governo FHC fez acordo diplomático com o governo estadunidense de cooperação nas áreas de investigações, envolvendo tráfico de drogas, terrorismo, lavagem de dinheiro e…a famosa corrupção.
Coisa pesada, encontros aqui e lá, seminários, palestras, cursos aqui e lá, mais lá do que aqui. E informações, muitas informações sobre a Petrobrás e outras empresas brasileiras. O Ministério da Justiça representava o Brasil nestas relações, ao lado do Itamaraty. Mais adiante, o Ministério da Justiça transfere esta representação para a Procuradoria Geral da República, ferindo as regras de representação diplomática, já que o Ministério Público não é órgão do Executivo. Um pouco mais adiante, Rodrigo Janot transfere tal representação para a chamada Força Tarefa de Curitiba, a já famosa Lava Jato, com um monte de estrepolias já aprontadas. A coisa atingiu seu ápice.
A montagem ficou pesada. Palestras, encontros prá lá e prá cá, Sérgio Moro e Dallagnol prá lá e prá cá, entrevistas a toda hora, forte apoio de toda a mídia e do conservadorismo na política, dinheiro rodando solto. Ganhou até às ruas, muitas manifestações. Coisa muito pesada. O Ministério da Justiça a tudo acompanhou, inocentemente, assim como os inocentes da República de Weimar a tudo assistiram. Ambos sofreram as dramáticas consequências.
Sabe-se, agora, que a chefe dos serviços do FBI nessas tratativas, Leslie Rodrigues Backschies, muito acolhida pelos procuradores e Polícia Federal, em entrevista à imprensa, afirmou: “Nós vimos presidentes derrubados no Brasil“, além de referências a outros países com ações semelhantes. Não se referia tão somente à deposição de Dilma Roussef, pois o Brasil ostenta um rol de presidentes derrubados, igualmente em outros países.
Esses esquemas de derrubada são pesados, às vezes irresistíveis.
Em outubro de 1945, derruba-se o todo poderoso chefe do Estado Novo, Getúlio Vargas, popularíssimo, com tudo na mão, judiciário, interventores nos estados, polícias estaduais e federal, com abertura e processo eleitoral já em curso, eleições marcadas. Não queriam que ele influenciasse nas eleições, pois queriam mãos livres para tentar derrubar a CLT e a nacionalização do subsolo, minérios e petróleo, inscrita na Constituição autoritária, corporativista de 1937, a famosa polaca.
Elegeram a Constituinte em 1946 e derrubaram a nacionalização do subsolo. Vargas disse a interlocutores que quem o derrubou não foi a cúpula do Exército, mas sim o embaixador estadunidense na Argentina, que já havia aprontado na Colômbia e outros países, inclusive provocado a saída do General Peron do Ministério do Trabalho. Em 1961, Não fora a resistência heroica de Leonel Brizola, nem João Goulart (Jango) tomaria posse. Em 1964, a deposição de Jango já é muito conhecida.
Alguns observadores fazem comparações do golpe de 1964 e os acontecimento recentes. Brizola fez a última tentativa dramática de resistir, pedindo a Jango para nomeá-lo Ministro da Justiça para comandar a Polícia Federal e puxar as polícias estaduais, envolver governadores, Congresso, e nomear o General Ladário Teles para Ministro do Exército e recompô-lo com os que não tinham envolvido-se ainda com o golpe. Mas Jango já sabia da presença dos estadunidenses nas nossas costas, Miguel Arraes já tinha sido preso no Recife, no Rio tinham destruído a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tanques nas ruas, sindicalistas presos país afora.
Não quis resistir, não atendeu Brizola. No caso recente, com a Presidência da República na mão, não resistir foi mais lamentável. As ilegalidades desferidas pela Lava Jato, com participação da Polícia Federal, não poderiam ter sido toleradas. Para isto, teria sido necessário nomear ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros tribunais com gente fiel ao cumprimento da Constituição e à sustentação dos poderes da República, não os que batiam à porta conduzidos por mãos desavisadas, inocentes.
Os generais e demais oficiais das Forças Armadas promovidos e nomeados deveriam estar comprometidos com a obediência ao poder civil eleito e à sustentação da República, não os figurantes do almanaque vinculados a pensamento e posturas políticas que o Brasil já tinha ultrapassado. Não poderia ser quem veio a ameaçar o STF para não libertar Lula. Promovidos e nomeados inocentemente.
A luta política contra privilégios e espoliação é dura, pesada, não é para inocentes. Lula, ao não querer envolver-se com os que são responsáveis por tudo que se abateu sobre o Brasil e o povo brasileiro, demonstra compreensão do processo histórico que vivemos e das perspectivas que se abrem para a luta política. O Partido dos Trabalhadores (PT), comandado pela Gleisi Hoffman, igualmente. O papel do Estado, a defesa da soberania, a compreensão do papel dos Estados Unidos, do império, e da TV Globo (não é mais uma implicância de Brizola) têm outra dimensão no pensamento e na ação política de Lula e do PT. O que os difere dos demais políticos e partidos.
Vivaldo Barbosa
Advogado, professor e político brasileiro. Exerceu o mandato de deputado federal constituinte em 1988
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