
A incrível história de uma princesa espiã de origem indiana tinha tudo para virar livro e filme. Noor Inayat Khan (1914-1943), nascida em Moscou era filha de um indiano muçulmano de origem nobre e de uma americana. Sua família mudou-se para Londres e para Paris durante a Primeira Guerra Mundial. Noor foi rádio-operadora na Paris ocupada pelos nazistas, mas sua missão verdadeira era de espionar os alemães.
No início da II Guerra Mundial (1939-1945), Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, ordenou que a agência de espionagem de seu país preparasse mulheres para atuar nas ações contra o regime nazista na França. Em 1940, em Londres, Noor entrou para a Força Aérea Voluntária Feminina. Na França ela havia sido escritora de livros infantis, mas na Inglaterra seu destino mudou completamente e ela acabou sendo recrutada pelos britânicos como a primeira operadora de rádio enviada por eles para atuar na França.
Noor foi treinada na arte da espionagem: aprendeu a atirar, a resistir a interrogatórios e a contatar redes de inteligência. Seu emprego era perigosíssimo: a média de sobrevivência de espiões era de seis semanas. Ela desembarcou em Paris em junho de 1943, com um passaporte falso e uma pistola. Seu código de criptografia era derivado de um de seus poemas. Ela também escrevia contos e o nome de uma de suas personagens, Madeleine, serviu como codinome nessa missão.

Noor era multi-talentosa: aprendera música na École Normale de Musique de Paris e estudou filosofia infantil em Sorbonne. Como autora infantil, traduziu os “Contos Jatakas” para o inglês: são as tradicionais fábulas sobre as incarnações passadas de Buda. Mas no verão de 1943, apenas uma semana após chegar na Paris ocupada, para a sua missão espinhosa, Noor viu todos os seus colegas espiões serem presos. Noor foi chamada de volta a Londres, mas ela convenceu os chefes a ficar, prestando serviços preciosos para a Resistência Francesa e para as redes de inteligência aliadas.
A princesa-espiã ajudou na fuga de soldados aliados, no processo de transporte de suprimentos para a resistência e enviou relatórios sobre as atividades nazistas para Londres. A Gestapo quase a capturou várias vezes. Durante quatro meses ela conseguiu fugir da polícia secreta do regime nazista. Foi presa em 1943, após ter sido delatada por um agente duplo. Mas ela tentou várias fugas na prisão. A primeira vez foi quando ela pediu para tomar banho e reivindicou que a porta ficasse fechada para que ninguém a visse nua. Ela conseguiu chegar no telhado, mas foi capturada novamente.
Classificada como “extremamente perigosa”, amargou a solitária, foi torturada nos interrogatórios, mas continuava a mentir para os alemães incessantemente, sem revelar nada. Noor foi levada para o campo de concentração de Dachau, na Alemanha, onde foi fuzilada, aos 29 anos de idade. Suas últimas palavras, diante dos algozes, segundo outros presos, foi: “liberté”.
Noor foi uma aliada improvável: ela não tinha simpatias pela Inglaterra porque sonhava com a independência da Índia. Mas como ela era também uma pacifista convicta, talvez por isso tenha engajado-se na luta contra o nazismo. Ela era fortemente influenciada pelo pai, Inayat Khan, que seguia o Sufismo, vertente mística do islamismo e que tinha relação de amizade com Mahatma Gandhi. Ele era um descendente do Sultão Tipu (1750-1799), governante do reino de Mysore, no Sul da Índia.
Inayat Khan nasceu em Baroda, um estado governado por nobres indianos durante o período da colonização britânica, hoje no atual território do estado indiano do Gujarat. Neto de Ustad Maula Bakhsh Khan, famoso músico clássico, Inayat Khan migrou para a Rússia para dar aulas de música. Depois, mudou-se para outros países da Europa, onde ensinou os fundamentos do Sufismo. O Sufismo prega uma filosofia pacifista, a renúncia de coisas terrenas, a purificação da alma e a contemplação mística da natureza divina. A mãe de Noor conheceu seu pai em uma de suas palestras sobre Sufismo nos Estados Unidos.
A incrível história de Noor transformou-se em um livro: “Spy Princess, the life of Noor Inayat Khan” (2006), da jornalista e historiadora indiana Shrabani Basu. Noor também é uma das figuras principais de um filme que estreou em junho de 2019 no Festival Internacional de Cinema de Edinburgh: “A Call to Spy”, da diretora Lydia Dean Pilcher.
A famosa atriz indiana Radhika Apte faz o papel de Noor. Seu sacrifício foi reconhecido. Noor é tida como heroína, foi honrada com uma estátua e em Londres e com condecorações póstumas na Inglaterra (George Cross) e na França (Croix de Guerre). Sua efígie foi cotada para figurar nas notas de £50.
Fonte: Texto originalmente publicado no Beco da Índia.
Link direto: http://bit.ly/becodaindia-noorinayatkhan
Florência Costa
Jornalista brasileira, escritora e curadora cultural. Ela edita o Beco da India e é cofundadora da plataforma BRiC Street. Costa já foi correspondente de jornais e rádios em Moscou (Rússia), Mumbai e Nova Delhi (Índia). A partir de 2006, Costa trabalhou na Índia como correspondente do jornal O Globo. Em 2012 voltou a viver no Brasil, onde trabalha como jornalista. Lançou, em outubro de 2012, o livro Os Indianos (Editora Contexto). Ela ministra palestras e seminários sobre Índia no Brasil e é cofundadora do Bloco Bollywood, o carnaval de rua da comunidade indiana em São Paulo
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