Itália-China: o encanto chinês conquista um dos corações do ocidente

O conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (esq.) e o ministro das Relações Exteriores da Itália, Luigi Di Maio, tocam os cotovelos durante uma sessão de fotos antes de sua reunião em Roma, Itália, em 25 de agosto de 2020. Crédito: Cheng Tingting/Xinhua.

Durante o recente tour diplomático do chanceler chinês Wang Yi pela Europa, vários foram os destaques existentes para possível análise, contudo o mais importante deles ocorreu já no primeiro destino de parada, a Itália. Ali, seu colega, o ministro italiano Luigi Di Maio não apenas reafirmou a importante decisão italiana de se juntar a iniciativa da Nova Rota da Seda (O primeiro e único membro do G7), como declarou publicamente que a China é uma aliada estratégica do país, selando uma aliança histórica entre Roma e Pequim.

Este país por décadas sucumbiu ao neoliberalismo e as máfias financeiras capitaneadas por Silvio Berlusconi e seus comparsas, submetendo o orgulho dos italianos à vontade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e aos “vampiros’’ da austeridade fiscal da Comissão Econômica Europeia. A Itália que durante a crise da Covid-19, está entre os países que mais sofreu com os efeitos diretos e indiretos, e que hoje se sente completamente “abandonada’’ pela Europa.

A gélida, porém fervilhante discussão na cúpula dos líderes dos países da União Europeia em julho trouxe decisões importantes, que na visão do presidente espanhol Pedro Sanchez– outro país golpeado em cheio em 2020-, foi um ’’Acordo histórico’’. Embora parcialmente satisfeito, Giuseppe Conte, atual Primeiro Ministro da Itália, não compartilhou da mesma empolgação dos espanhóis. Aliás, não é somente em 2020 que os italianos têm manifestado sua insatisfação com os líderes do bloco, já em 2018, as eleições parlamentares que elegeram um grande bloco liberal anti-União Europeia, encabeçado pelo Movimento 5 Estrelas e a Liga do Norte eram sinais evidentes deste desgaste.

A Itália, que no passado foi o centro do Império Romano, e que no período moderno foi um importante centro da Renascença, cujo papel político no mundo passou a ter um peso considerável a partir dos séculos XIX e XX, assiste após a Segunda Guerra Mundial, em especial na década de 1990, a redução de seu prestígio. Um cenário que não apenas potencializou o reaparecimento do fascismo no país, como também uma mudança na sua política externa em meados da década de 2010, onde o multilateralismo foi paulatinamente substituído por uma política mais bilateral. Não existe evidência maior disso hoje do que na questão da Líbia, onde os italianos dão suporte aberto ao general Khalifa Haftar contra o Governo do Acordo Nacional (GNA), que é reconhecido pela própria União Europeia!

Isso não ocorre apenas com a Itália. As relações internas e externas multilaterais são ora contestadas, ora violadas, também por outros países do bloco como França, Espanha, Bélgica e a própria Alemanha. A despeito das poucas análises sobre isso, este fato foi preponderante para a saída da Grã Bretanha da União Europeia, e vem sendo um dos motivos que leva aos Estados Unidos a abandonarem uma série de organizações multilaterais internacionais. Tudo isso é consequência do verdadeiro terremoto causado pela consolidação da Ásia como centro do sistema econômico mundial.

Em suma, pode-se dizer que a Itália, cuja cidade de Roma, um dos corações da sociedade europeia, encontra-se ferida por todo este cenário, tendo de cada vez mais abrir-se a novas oportunidades de parcerias, mesmo que em direções contrárias às atuais do bloco ocidental, em vista do seu ’’apequenamento’’. Por exemplo, em 2018, Comte foi um dos primeiros chefes de Estado a visitar a Rússia após a reeleição do presidente Vladimir Putin, em 2019, opôs-se ao reconhecimento geral de países da Europa de Juan Guaido como presidente autoproclamado na Venezuela, e abriu o ’’tapete vermelho’’ na Itália para a recepção do presidente chinês Xi Jinping. Assim, a China tornou-se a oportunidade de parceria estratégica que os italianos necessitavam. Em contrapartida, os chineses estabeleceram laços com um dos principais atores da Europa e da região mediterrânea.

Situada até então, entre uma União Europeia em crescentes divisões, e com um futuro incerto, e uma China que capitaneia o novo período histórico mundial centrado na integração asiática, os italianos não tinham muito a perder. Os escombros deixados pela Crise de 2008-2009, cuja oferta oportuna chinesa de reconstrução material e espiritual atraiu, podendo-se dizer mesmo que encantou os italianos, é o que pesou decisivamente para a entrada na Nova Rota da Seda. O tratamento dado pela Comissão Econômica Europeia a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda foi também evidentemente um peso avaliado.

A afirmação recente de Luigi Di Maio, referindo-se à China como uma aliada estratégica é mais um passo a frente na direção desse encanto que não se deu por um acaso. Este passo é estimulado sobretudo pela indiferença do resto da Europa para com o país, em especial quando durante a crise inicial da Covid-19 no continente, cada Estado europeu tomou medidas unilaterais, e a Itália contou unicamente com o suporte de países não membros do bloco. A Rússia, China e Cuba foram os principais ajudantes do país em um dos momentos mais críticos, enquanto o resto da Europa chamava isso de ’’diplomacia da máscara’’ e praticava ’”pirataria de equipamentos’’ entre os próprios membros.

O coração ferido dos italianos, via-se então mediante a verdade, uma verdade tão dura que embora os países líderes da União Europeia, Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Suécia e outros, tenham demorado a reconhecer o erro, o fizeram. A própria chanceler alemã Angela Merkel teve que mudar sua posição austera e buscar uma solução coletiva para a crise, mas sobretudo na Espanha e na Itália. A Itália em especial era a mais agitada, bandeiras da União Europeia eram queimadas, e seus líderes manifestavam pouco desejo de seguir dentro do atual estado da situação, como Conte, Di Maio, Sergio Mattarella e outros sustentaram nas suas falas públicas. O próprio encarregado dos ’’interesses nórdicos’’ entre os países mediterrâneos, o líder espanhol Pedro Sanchez, não conseguiu convencer por completo os italianos de que deveriam voltar a acreditar que existe um futuro nessa relação, na forma em que se encontra.

A visita de Wang Yi, no exato momento em que a China já está em rápida recuperação dos impactos causados pela crise da Covid-19, e pouco depois da cúpula europeia, solidifica não apenas uma relação comercial no âmbito da Nova Rota da Seda, mas sobretudo política de alcances inimagináveis. Um dos pontos centrais nas declarações deste encontro é o suporte italiano ao multilateralismo nas relações mundiais, onde embora o país seja um importante membro da OTAN, ao sinalizar sua política nesta direção, efetua um outro considerável giro na política externa do país, cuja atenção por parte de muitos ainda é baixa. Ela é, porém perceptível por parte dos países centrais do bloco, como França e Alemanha, e torna-se exemplo para outros países.

Estes movimentos apresentam um novo cenário na Europa, onde o famoso Acordo Histórico de Pedro Sanchez, aparenta ser muito mais próximo da Paz do Nosso Tempo de Neville Chamberlain. Embora seja forte esta comparação, é importante ser dito que existe uma poderosa desintegração ideológica da União Europeia, hoje abertamente política, anunciando que os britânicos podem não ser os últimos a ’’pular fora do barco’’. No entanto, em oposição à situação de Chamberlain que havia enterrado qualquer chance de paz europeia, hoje, ainda existe a possibilidade de ’’salvação do bloco europeu’’.

A simpatia de Roma, um dos principais corações culturais do ocidente, que hoje se encanta com as oportunidades oferecidas pela China, e busca frente a isso estreitar cada vez mais estes laços, é apenas um exemplo maior do que já tinha acontecido com a Grécia e a Hungria dentro do bloco, e na Europa com a Sérvia. Uma conjuntura que deixa poucas escolhas para as lideranças da União Europeia, pois com a alta probabilidade da formação de um gigantesco bloco asiático, resta unir-se enquanto um grupo fortalecido ao mesmo, conseguindo manter sua voz dentro do novo sistema internacional; ou manter várias posições fragmentadas que deixariam o continente em uma condição periférica à Ásia.

Esta arte de encantar, dominada hoje pelos chineses, também se direciona aos outros corações da Europa, Paris e Berlim, que embora não tão feridos quanto os italianos, e bem mais céticos, mostram-se também insatisfeitos no que diz respeito a outras questões relacionadas ao atual ’’guardião do ocidente’’, os Estados Unidos. A unidade do bloco hoje, é inclusive ameaçada pela posição belicista de Washington, insuflando a agressividade em países como República Tcheca, Polônia e países bálticos. A garantia atual da liderança de França e Alemanha no bloco é originada sobretudo graças ao apoio destes países menores que estão hoje sob a ’’guarda apoiadora’’ destas, o que significa que perder isso é apequenar-se na Nova Ordem Mundial pós-Covid. Submeter a Europa como esfera de influência neste novo período, enquanto parte do ’’gigantesco ocidente’’ é inclusive a política externa atual dos Estados Unidos, onde a OTAN é um dos melhores exemplos.

As ofertas chinesas, cuja validade não irão demorar muito para expirar, trazem para alemães e franceses a oportunidade de manter a Europa unida, desde que não sigam dentro de um rumo de enfrentamento a partir do alinhamento com os Estados Unidos. A Itália já fez sua escolha, e outros países também vão fazer, o que deixa de resto a seguinte questão: responderão positivamente a França e a Alemanha a essas ofertas? Conseguirão os chineses conquistar os outros corações da Europa à semelhança de Roma?

Fonte: texto originalmente publicado no site do Cotidiano.
Link diretohttp://bit.ly/cotidiano-encantoChinesConquistaOcidente

Referênicas

CGTN. Wang Yi: China-Italy ties have withstood test of COVID-19. 2020. Disponível: https://news.cgtn.com/news/2020-08-25/Wang-Yi-says-China-Italy-withstood-test-of-COVID-19-pandemic–Tfvb8H5kwE/index.html.

DA SILVA, Eden Pereira Lopes. A Questão Europa: Uma imposição histórica. In: Revista Intertelas. 2020. Disponível em: https://revistaintertelas.com/2020/07/03/a-questao-europa-uma-imposicao-historica/.

GEOVANNINI, Matteo. China-Italy relations represent an outstanding example pf cooperation. In: CGTN. 2020. Disponível em: https://news.cgtn.com/news/2020-08-26/China-Italy-relations-represent-an-outstanding-example-of-cooperation-TgNY2zKrzq/index.html.

JAY, Martin. No confidence? EU Should Reinvade Itself Now Before The Inevitable Rot Sets In. In: Strategic Culture Foundation. 2020. Disponível em: https://www.strategic-culture.org/news/2020/08/07/no-confidence-eu-should-reinvent-itself-now-before-inevitable-rot-sets-in/.

LAWRENCE, Patrick. China’s European Moment Has Arrived. In: Consortium News. 2020. Disponível em: https://consortiumnews.com/2019/04/01/chinas-european-moment-has-arrived/.

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por Anders Noren

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