Os dilemas sociais no suspense criminal “The Witness”

“The Witness” (2018), dirigido por Jo Kyu Jang. Crédito: HanCinema.

Em uma sociedade onde a estrutura moral básica encontra-se vinculada à noção do poder de consumo e produção, não é de se estranhar que a vida em si das pessoas e dos seres em geral acabe também submetida a esta regra. Pouco se percebe, mas tudo o que somos e tudo que representamos, em grande parte, depende do quanto podemos ter e do quanto podemos dar. Em uma apresentação, por exemplo, geralmente, as pessoas dizem o nome que lhes foi dado (não o que escolheram) e logo a profissão, ou o que fazem para pagar contas e garantir o próprio sustento. Junto a isso, o “valor” de alguém é medido pelo que se tem: uma casa enorme, um carro importado, roupas de marca e etc.

Todas estas questões definem quem somos e como seremos classificados em uma estrutura social e econômica capitalista. Portanto, pode-se concluir que se trata de uma sociedade do “eu tenho”, não do “eu sou”. Chamar-se Daniel e ser engenheiro, por exemplo, não chega nem perto de definir quem é esta pessoa, sendo apenas uma pequena parte do que a constitui. No entanto, neste contexto, é o que mais importa. Assim, não é de espantar que ações e outras características de tudo que existe acabe ganhando algum valor econômico. Por isso, é preciso ter uma reputação impecável, para melhor poder ofertar ao mercado a sua capacidade de trabalho, no caso dos humanos, ou a aparência e segurança, no caso de um bairro.

Crédito: Korean Film Biz Zone(KoBiz).

E com esta noção que se pode compreender o dilema do suspense criminal “The Witness” (2018), dirigido por Jo Kyu Jang. O enredo conta um fato que ocorreu na vida de Sang Hoon (Lee Sung Min), que chega uma noite em seu apartamento, após beber com colegas de trabalho, e ouve o grito de uma mulher. Ele olha para fora de sua varanda, e vê um homem, Tae Ho (Kwak Si Yang), acertando a cabeça de uma mulher com um martelo. Sang-Hoon e Tae Ho acabam fazem contato visual direto. No dia seguinte, a mulher é encontrada morta. Com medo e impedido pela esposa e os vizinhos de ajudar o detetive Jae Yeob (Kim Sang Ho) com o seu testemunho, para que a região não fique conhecida como bairro violento e os imóveis sejam desvalorizados, ele tentará proteger sozinho a sua família da perseguição do assassino.

Trata-se de uma narrativa envolvente, típica de um bom suspense que nos leva até o seu desfecho e, como todo o filme sul-coreano, acaba tendo como base uma discussão, por mínima que seja, para a reflexão e que serve de construção principal para o desenvolvimento da trama. Além de um roteiro que capta o público, as atuações contribuem auxiliando e dando o tom necessário para incitar na plateia a dose de emoção e sensações necessária. Sang Hoon e sua esposa Soo Jin (Jin Kyung) são típicos cidadãos submetidos as leis sociais e culturais que limitam uma atuação mais incisiva dos indivíduos como agentes, ou melhor seres políticos, capazes de atuar em prol do que é justo.

A característica um tanto materialista que a sociedade sul-coreana adquiriu com o tempo nos ajuda ainda a aceitar e compreender a razão das escolhas dos personagens ao longo do filme. Já o detetive interpretado por Kim Sang Ho, assim como o criminoso vivido por Kwak Si Yang são aquelas representações de indivíduos fora da curva, que agem e atuam fora deste contexto impositivo e acabam tornando-se, provavelmente sem perceberem, figuras contrárias a ordem estabelecida. O primeiro vai contra a noção de mercado imobiliário, reputação “do bairro”, ou dos imóveis e os próprio moradores para prender o assassino. Um policial raro que segue a risca cumprir a sua função.  Já Tae Ho, como todo bom vilão, é completamente inescrupuloso.

Seu passado não é revelado e pouco é elaborado para nós, plateia, sobre a sua personalidade, questões que tornariam esta produção cinematográfica mais rica em termos de profundida narrativa, artística e não tão comercial. Contudo, o personagem Tae Ho cumpre o seu papel principal: ser um fator, um agente que através de suas ações, premeditadas, ou não, acaba expondo as contradições, os problemas, as raízes do mal de uma sociedade, que apesar de sempre fazer questão de ressaltar a importância da moralidade, do viver em coletivo, em suas relações sociais, no fundo, atua apenas em prol da regra base ditada pelo mercado, pelo dinheiro, mesmo que isso custe a vida de alguém e permita criminosos saírem ilesos. “The Witness” está disponível para assistir na Netflix.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: https://www.koreapost.com.br/destaques/os-dilemas-sociais-no-suspense-criminal-the-witness/

Título: “The Witness” (A testemunha)
Título em coreano: 목격자 (Mokkyeokja)
País: Coreia do Sul
Direção: Jo Kyu Jang
Roteirista: Jo Kyu Jang, Young Jong Lee
Elenco:  Sung Min Lee, Sang Ho Kim, Kyung Jin
Duração: 1h51min
Lançamento: 15 de agosto de 2018
Idioma: coreano
Legendas: inglês, português

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por Anders Noren

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