A capitulação dos “invencíveis” em “Líbano” (2009), de Samuel Maoz

Crédito: https://humanimania.comunidades.net/

Os mestres Samuel Fuller e Robert Aldricht ensinaram que a guerra é, sobretudo, um drama humano de sobrevivência, sorte e superação. Longe dos Generais (que desde a Guerra Franco-Prussiana, no final do século XIX, distanciaram-se do campo de batalha), seus mapas e dilemas estratégicos, a guerra é vencida (ou perdida) na fria trincheira, na úmida selva ou mesmo no escaldante e asfixiante deserto. Mas como mostrou o jovem clássico de Wofgang Peterssen, “Das Bolt (O Barco) de 1981, a guerra pode ser também um inferno em angustiantes espaços claustrofóbicos e fechados, onde raramente vê-se o inimigo, e o ambiente externo só é revelado através dos sons emitidos do lado de fora e que ecoam como um profundo pesadelo para os soldados lá dentro.

Na guerra moderna, a mecânica bélica é empregada para reduzir o contato com o inimigo, dando, ao mesmo tempo, superioridade tática e maior poder de fogo no campo de batalha. E nada representa tão bem a mentalidade da modernidade guerreira que o Tanque de Guerra. Inventado pelos Ingleses para dar mobilidade à guerra de trincheiras na 1º Grande Guerra, o Tanque tornou-se presente em praticamente todos os conflitos armados desde então.

Mas, se no passado, o tanque era um máquina lenta, desengonçada e usado basicamente para proteger a infantaria, os tanques atuais (chamados de MBTs, ou Main Battle Tank – Principal Tanque de Batalha) são brutalmente poderosos, dotados de uma quase interminável parafernália tecnológica, e uma “quase” superioridade tática no campo de batalha. Mas, ainda assim, podem ser assustadoramente frágeis se isolados da proteção da infantaria, especialmente em combates urbanos.

No filme “Libano” (Lebanon) – 2011, dirigido por Samuel Maoz, um tanque Israelense vê-se preso num combate urbano, na área dominada pelo exército Sírio, durante a Invasão ao Líbano em 1982.  O filme é realista ao mostrar a fragilidade de uma máquina que o senso comum julga quase invencível, mas é pateticamente frágil e pouco eficaz em espaços limitados, onde transforma-se em alvo perfeito para os seus inimigos. O filme de Maoz respeita os fundamentos dos mestres citados no início desse texto. Centra a ação na soldadesca e sua luta pela sobrevivência, sem os patriotismos histriônicos. Toda a estrutura clássica dos filmes de guerra está ali: o líder vacilante, o pacifista que refuta a violência, o soldado irônico e individualista, o Sargento durão…

O que é inovador na narrativa é que a ação desenrola-se toda ela dentro do tanque. O mundo de fora só pode ser visto através do periscópio, manipulado pelo artilheiro Herztel (Oshri Cohen). E é admirável o desenho de som do filme, que constrói com perfeição a experiência de estar dentro de um tanque, um emaranhado de sons mecânicos e rangidos débeis, para não mencionar os disparos das armas. O desenho de produção merece destaque também, usando com criatividade os recursos do filme (presumindo serem eles poucos) e construindo o espaço interno do blindado como um lugar crível, apertado, úmido e sujo, por onde se esgueiram os homens que compõem sua tripulação.

O conflito clássico entre o soldado embrutecido e a tropa dá-se na relação tensa entre o sargento Gamil (Zohar Shtrauss) e o comandante do Tanque, Assi (Itay Tiran), e entre esse e o artilheiro Herztel. E na medida em que o tanque entra no território ocupado por insurgentes e sem o apoio logístico planejado no início da operação, as relações tornam-se crescentemente conflituosas e tensas. Admirável ao mostrar que a sociedade militarizada Israelenses, permanentemente mobilizada, não está livre das vacilações e indecisões do combate, mostrando, em certos momentos, ordens desencontradas e cronogramas vencidos, desafiando a ideia bastante difundida pelo ocidente da uma suposta gigantesca diferença de profissionalização entre os exércitos Israelenses e Árabes.

O diretor Samuel Maoz também conduz muito bem a dinâmica do ambiente militar de seu país, ao mostrar que a liderança do tanque é desafiada, em vários momentos, pelo restante da tripulação, numa caracterização perfeita de uma tropa reservista, cuja mentalidade civil não se adapta, facilmente, aos ritos e códigos militares. Samuel merece aplausos também por não se omitir em registrar a relação, até certo ponto “envergonhada”, entre os militares Israelenses e a falange cristã no Líbano, sócios na invasão de 1982. Os paramilitares Falangistas são retratados, inclusive, de forma ameaçadora e psicótica, caracterizando dessa maneira um grupo que, na guerra, cometeu os mais odiosos crimes e massacres contra a população palestina refugiada no Líbano (como esquecer os 2000 mortos de Sabra e Chatila?).

O filme tem problemas. Resolve de forma confusa o 3º ato (e aqui vou ser cuidadoso e não oferecer qualquer spoiler). O colapso mental de Assi, comandante do Tanque, também me pareceu um pouco artificial. No entanto, o talento do diretor fica claro quando, ao nos deparamos com a queda da disciplina e o crescente desespero dos tripulantes, entendendo-se cercados e sem apoio num momento chave do filme, uma mensagem pintada no interior do tanque seja oferecida ao público como contraponto, nela contendo toda a lógica embrutecida e alienante do universo militar: “O Homem é feito de aço, o tanque é somente ferro”, onde toda a construção da cena, até os eu desfecho, é o grito de protesto contra o orgulho arrogante de um exército que se julga invencível no campo militar e moral.

Os mestres Fuller e Aldricht ensinaram bem. A guerra é lutada em meio ao suor, lágrimas, urina, fezes e sangue. Ela é o esforço do homem comum tentando sobreviver, em manter-se são, em não se desumanizar. “Libano” é uma excelente surpresa. Um filme de guerra relativamente desconhecido por aqui, que mostra o vigor e independência intelectual de uma parcela do cinema Israelense, que marcha na contramão da desastrosa política de segurança de seu país.

Ao assisti-lo, lembrei-me dum outro, cuja lógica narrativa parece bastante com esse. Chama-se “A Fera da Guerra” (the Beast) filmado em 1988 por Kevin Reynolds (que depois filmaria “Waterworld” e seria excomungado pela indústria), sobre um tanque soviético que, após um ataque à uma vila afegã, perde-se de seu batalhão blindado e é caçado pelos guerrilheiros. Filmaço visceral que pretendo escrever mais a frente neste espaço…

Fonte: texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema
Link direto: https://obecodocinema.wordpress.com/2015/11/18/libano-lebanon-2009-direcao-samuel-maoz/

Título: “Líbano” (Lebanon)
País: Israel, Alemanha, França, Reino Unido
Direção: Samuel Maoz
Elenco: Yoav Donat, Itay Tiran, Oshri Cohen
Duração: 1h33min
Lançamento: 15 de outubro de 2009
Idioma: árabe, hebraico, francês e inglês
Legenda: inglês/espanhol

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por Anders Noren

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