
A condenação do chefe da Yakuza, Nomura Satoru (74 anos), em 24 de agosto de 2021, reacendeu debates acerca do papel da máfia no Japão. Respondendo às acusações de ter ordenado que membros de sua gangue atacassem quatro pessoas, Nomura foi o primeiro veterano Yakuza condenado à morte. Ainda que o chefe da máfia tente apelar da decisão, promotores apontam que o sindicato Kudokai cometeu inúmeros crimes quando da época da liderança de Nomura. O período dos delitos foi entre 1998 e 2014, ao que as vítimas foram um ex-chefe de uma cooperativa de pesca, um ex-policial e uma enfermeira, feridos a golpes de facas ou tiros.
Ainda que essa condenação pareça não chegar tão cedo ao fim, traz inúmeras discussões como o papel da Yakuza no Japão, suas relações com o Estado e a sociedade civil. Em um país considerado modelo de segurança em que a polícia é desarmada e a criminalidade é baixa, como podem coexistir a manutenção da lei de tolerância zero à violência, concomitante a organizações criminosas?
Também chamada bōryokudan ou gokudō, a Yakuza é um grupo heterogêneo e transnacional, nomeada pelas mídias como “grupo de violência”, enquanto seus membros encaram-se como participantes de uma organização cavalheiresca. Reconhecidos por seus códigos de conduta e natureza organizada, os Yakuza aglutinam de 200 a 500 mil membros espalhados mundo afora. Apesar das incertezas a respeito da origem da organização, muitos Yakuza carregam características que acreditam ser dos samurais (ronins) ou período Edo (1603-1868).

Acredita-se que vendedores de bens ilícitos, partícipes de jogos de azar e mascates começaram a destituir-se dos homens comuns, assumindo papéis administrativos, formando organizações próprias, mais tarde, Yakuza. Tais tarefas levaram a assumirem um papel protetivo às comunidades locais, ao que estes sujeitos passaram supostamente a ser olhados pela população civil com ambiguidade, dentre os mantenedores da ordem e malfeitores sociais.
Em 1915 Yamaguchi Harukichi desenvolveu o mais famoso conglomerado Yakuza Yamaguchi-gumi, que durou até a Segunda Guerra Mundial. Como a população masculina precisou ceder esforços de guerra, enquanto era controlada por um Estado militarista, a Yakuza permaneceu pouco articulada, movendo-se na ilegalidade. Porém, com o fim do conflito, grupos como a Yamaguchi-gumi, por exemplo, foram plenamente engrandecidos, ganhando espaço com a ocupação estadunidense e a complexidade econômica e social proveniente do período.
O ultranacionalista Taoka Kazuo, após 1945, transformou a Yamaguchi-gumi em um cartel gigante, praticante da extorsão, agiotagem, contrabando, prostituição e empreendimento legais e ilegais. Como seus membros eram maiormente desqualificados sociais, achavam na vida criminosa a saída para seus problemas, além de possivelmente aventuras e status.
Regimentados através de uma estrutura hierárquica dentre veteranos e novatos, os Yakuza adotam um código de honra ao que kobun (filho adotivo), deve lealdade ao seu oyabun (pai adotivo). As cerimônias de punição (cortar os dedos de alguém) ou de dividir o saquê em um único copo, são encontrados nos considerados costumes seculares, trazidos para a Yakuza para respaldar a tradição, honra e punição, ao que os sujeitos escolhidos ganham admiração e notoriedade.
Atualmente a Yakuza ocupa uma posição de organização semi-legitimada, pois ao mesmo tempo que promovem o tráfico humano, envolvendo garotas na prostituição, além de extorsão, foram responsáveis por auxiliar civis após o Terremoto de Kobe em 1995 e no Sismo e tsunami de Tohoku, ocorrido em 2011. Após ambos os desastres naturais, os Yakuza forneceram serviços de socorro, abrindo sedes de seus escritórios para abrigar civis, assim como criar redes de abastecimentos para os afetados. Os helicópteros de resgate da organização foram veiculados pelas mídias, ao que todo o Japão e o mundo afora viram as manobras das facções como a Yamaguchi-gumi em prol dos civis.

A Yakuza é grande promotora do método de extorsão sokaiya, onde membros da facção são mandados para reuniões de acionistas em uma corporação, que chantageados pelos mafiosos, acabam dando o direito de comprar uma pequena parte de ações a baixos preços. Os criminosos também fazem parte do negócio imobiliário, atingindo o setor bancário e, em alguns casos, tráfico de drogas. Nessa enorme teia de negócios, os mafiosos subsistem por terem gerenciadas suas ações por membros de fora da Yakuza, que bancam taxas de proteção de suas atividades.
Os membros das mais altas famílias Yakuza alegam que comumente não se envolvem roubo ou tarefas consideradas daninhas para a comunidade em geral. Quando da década de 1980, a Yamaguchi-gumi e Dojin-Kai entraram em conflito, a polícia de Fukuoka solicitou que os chefes de ambos os lados declarassem um cessar-fogo público, já que a população civil estava sendo ferida. Este episódio, além de demonstrar a permissividade da polícia em relação a este grupo, ainda demonstra as ambíguas relações entre Estado e facções criminosas, existentes em um país com consideradas baixas taxas de criminalidade.

Enquanto as grandes corporações conseguiam ver na Yakuza sua força protetiva, outras a encaravam como praticante da extorsão, danosa para o mundo do lucro e dos negócios. Inúmeras cidades japonesas, apoiadas pela sociedade civil, lançaram campanhas antiyakuza. Em 1995 o Ato pela Prevenção de Atividades Ilegais por Membros de Grupos Criminosos, começou a reprimir gangues, ao que a polícia capturou Kiyoshi Takayama em 2010, seguido por Tadashi Irie, teoricamente envolvidos com extorsão na área de construção e suspeita de indenizar parentes de um assassino. Como esses crimes não foram legitimamente provados, ambos foram libertados com fianças, recebendo pouco tempo na prisão.
De acordo com a socióloga do crime e docente permanente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Letícia Maria Schabbach, entender o que a polícia quer dizer ao referir-se a uma “organização criminosa” é bastante complexo e cheio de ambiguidades. Levados pela incapacidade de identificar o criminoso, ou impossibilitados de perseguí-los, graças à importância econômica e social dos malfeitores, a polícia inibe-se de encerrar os criminosos, alegando sua grande capacidade “organizacional”. No caso da Yakuza, mesmo que muitos de seus membros signifiquem perigo a algumas instituições, protegem outras, auxiliando o governo em catástrofes, assegurando bancos e desastres naturais.
Ainda que muitos criminosos sejam capturados, a maior parte deles representam aqueles que, por algum motivo, envolvem-se em atividades condenáveis tanto para a Yakuza, quanto para o Estado, como é o caso de venda de drogas e crimes diretos. Representados de maneira positiva e servindo de mão para lugares onde o braço do Estado japonês não consegue alcançar, os Yakuza subsistem no submundo e superfície do Japão, representando ora um problema, ora a solução para as mazelas públicas sociais.
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