
| 2021/2020 | Pintura a óleo e carvão sobre
tela | 50x60cm
Crédito da Foto: Eduardo Santos
Colaboração com o bailarino e performer Marco Nektan
João Francisco Brittes, JFBrittes, é um artista plástico que faz da colaboração e conexão artísticas uma força motriz para o seu trabalho. As artes cênicas, o cinema, a dança contemporânea, as performances e, em especial, o Butô (dança japonesa criada dos escombros da Segunda Guerra Mundial) são suas fontes de inspiração. JFBrittes nasceu na cidade do Rio de Janeiro e atualmente reside em Belo Horizonte.
Graduado em artes plásticas pela Escola Guignard, Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), com especialização em gravura em metal e pintura, ele busca submergir no universo humano, sentindo e observando tanto a sombra, quanto a luz nele. O passado para o JFBrittes ainda faz-se bastante presente com seus tentáculos repressores. Todos estes elementos, ele aborda em seus quadros e alguns deles fazem parte da exposição “Enquanto o Mundo Cai” que acontece de 3 de setembro a 03 de outubro de 2021, no DiamondMall, Piso L3 (Av. Olegário Maciel, 1600 – Lourdes / Belo Horizonte). Em entrevista à Revista Intertelas, ele conta mais sobre sua trajetória, seu trabalho e reflete que a arte não é apenas importante, mas faz parte do humano. Confira abaixo!

Como nasceu a iniciativa de realizar a exposição “Enquanto o Mundo Cai”?
JFBrittes: A exposição surgiu de um convite do artista e diretor de cinema Ernane Alves, que é aqui de Belo Horizonte. Ele conheceu meu trabalho através de contato em comum, e depois ele soube mais pelo meu site e pediu para conhecer os trabalhos pessoalmente. Então, ele me fez o convite. Foi um processo lento, que levou alguns meses. Ele pode conhecer bem o meu trabalho e a minha produção.
“Enquanto o Mundo Cai” parece refletir o contexto político e social bastante caótico atual. Esta afirmação é correta? Como a realidade atual influenciou este trabalho?
JFBrittes: A exposição aborda temas variados. Como a dança japonesa criada no pós-guerra, o Butô. Este tipo de dança nasceu de questões políticas, de contestação social. Na minha opinião, toda arte, querendo ou não, acaba sendo política. Eu acho que é uma também forma de extravasar sentimentos. Dos medos à ternura. E nestes quadros não estão apenas sentimentos pesados. O Butô, que tem grande influência neste meu trabalho, expressa as coisas de uma forma muito verdadeira, sabe? E muito profunda, eu diria.
Assim, você pode fazer um reflexo com o que acontece tanto no Brasil, quanto no que acontece no mundo. Contudo, creio que fica a critério do público. Não gostaria de colocar nenhum filtro, além da questão histórica que é realmente factual. É o que aconteceu. Então, a pessoa leva para o lado que achar ideal. Pode considerar uma questão mais política e uma questão mais do macro; e pode também ter uma interpretação do microcosmos, para questões mais pessoais. Portanto, vamos deixar as pessoas interpretarem como bem entenderem.

| 2020-2018 | Pintura a óleo e carvão sobre
tela | 80x100cm
Crédito da Foto: Eduardo Santos
Colaboração com a bailarina e performer Luciana Brites Pathospalidus, da série Pathospalidus.
Você sempre considerou a pintura e o desenho como uma forma de expressão e até cura. Estas seriam funções primordiais das artes?
JFBrittes: Eu acho que a arte não precisa necessariamente ter função. Especialmente essas artes que são nascidas desses momentos de crise. Eu acho que elas falam sobre e refletem a sociedade de uma forma única que em outros momentos históricos. Por exemplo, como voltar a escrever poesia depois da Segunda Guerra Mundial e de Auschwitz? Como diria Theodore W. Adorno, depois de tanta barbárie, como que é possível seguir adiante? Como buscar uma certa redenção após estes momentos apocalípticos? E veja que nos vivemos estes períodos de tempos em tempos. Então, a arte surge naturalmente como forma curativa e de resistência. Contudo, isso não é uma obrigação. Depende de cada artista e público.
A Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Bósnia, dois eventos que causaram grande impacto no seu processo criativo, são duas evidências da atuação do imperialismo e da tentativa de controle e extermínio de um povo sobre outro. No que diz respeito às artes plásticas como elas são capazes de combater esta inclinação humana à própria destruição e necessidade de controle sobre o outro?
JFBrittes: Isso é algo complexo. Eu faço algumas releituras. Porém, estas questões não são essencialmente minhas. Vem muito da influência que o trabalho de artistas como Marco Nektan, da Bósnia. O país dele passou recentemente na história pelos horrores da guerra. Contudo, ele resolveu dançar. Isso mostra que o ser humano tem uma escolha, no final das contas. Eu admiro muito ele. Uma das coisas mais bonitas que ele ensina é que podemos ter uma escolha na vida.
E ele optou por desenvolver a arte dele. O meu papel, nesse caso, é só repassar a mensagem. Nós nos conhecemos através do Instagram, comentando o trabalho um do outro. Posteriormente, ele me convidou para realizar uns trabalhos em conjunto. Ele pediu que fizesse o desenho a partir de fotos e vídeos dos trabalhos dele. Apesar de serem de gerações diferentes, Nektan e o Tatsumi Hijikata e o Kazuo Ohno, este são os criadores do Butô, têm esta conexão. Eles escolheram através da arte expressar a dor e a beleza. Assim, a minha reinterpretação da performance tenta repassar as mensagens deles, de uma certa forma.

óleo e carvão sobre tela | 50x70cm
Crédito da Foto: Eduardo Santos
Colaboração com a atriz e performer Daniela Carmona.
O Japão e sua cultura são também referências muito fortes no seu trabalho. O passado japonês na sua relação com seus vizinhos ainda encontra muitos problemas e feridas não curadas. Da mesma forma, podemos ver hoje a sociedade japonesa em grande convulsão social, em razão de uma cultura ainda muito conservadora. Qual a sua avaliação sobre este cenário e que relação ele tem com o Brasil atual?
JFBrittes: Eu sempre tive uma apreciação muito grande pela cultura japonesa em geral. E para além dos traumas da guerra, a arte de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno nasceu questionando os problemas daquela sociedade, além de terem vivido os horrores da guerra. Eles foram inclusive, de certa forma, considerados páreas. Eles tinham aquele incômodo de não se encaixarem exatamente nos padrões sociais e queriam debater questões que a sociedade dos anos 1950 e 1960 não estavam interessadas.
O Butô nasceu do choque entre a cultura estadunidense e japonesa, durante o pós-guerra. E trouxe à tona discussões ocultas e tabus como loucura, homossexualidade, morte e vida. E estes temas fizeram com que o Butô fosse muito apreciado na Europa. Aliás, talvez ela seja mais conhecida fora do Japão que no país. Esta forma de arte é ainda pouco conhecida hoje em dia. E meu trabalho visa divulgar através da pintura, porque tem uma beleza tanto estética, quanto de reflexões sociais únicas.

da Luz | 2019 | Pintura a óleo e carvão sobre
tela | 50x70cm
Crédito da Foto: Eduardo Santos
Baseado em fotos de performances do bailarino de Butô
Kazuo Ohno.
Onde expressões culturais japonesas como o Butô encontram expressões brasileiras? Existe este encontro na sua opinião?
JFBrittes: Creio que para além do Brasil ter a maior comunidade japonesa no mundo fora do Japão, podemos ver a influência destas formas artísticas na área da dança. E eu quero no futuro explorar bastante como esta influência ocorre aqui. Eu conheci várias pessoas em Minas Gerais e em São Paulo, de grupos jovens de dança, principalmente de rua, e observar como o Butô está presente nestas artes brasileiras e quais as suas conexões. Eu creio que estamos em um momento único de repensar muitas coisas. Através da dança vejo trazerem questões como colonialismo, de raça, de identidade. Quero poder realizar uma aproximação com estes grupos e traduzir pela pintura.
A arte em si, qual a importância dela para a sociedade?
JFBrittes: A arte está intrinsecamente ligada com a humanidade desde o seu início. A arte e o ser humano e a cultura são uma coisa só.
Sobre a sua técnica do uso de carvão e os contrastes de branco e preto, qual razão por estas preferências?
JFBrittes: A técnica do óleo com carvão e pintura a óleo e carvão é algo que eu venho desenvolvendo desde que eu me formei na Escola Guignard. Foi uma técnica que foi surgindo durante essa última década. Fui fazendo alguns experimentos e fui misturando. Os assuntos que eu trato são, às vezes, pesados, mas eu tento trazer uma leveza. Em alguns momentos, o uso destes materiais ajuda a refletir uma certa ambiguidade. O uso do óleo e do carvão são muito opostos, mas ao mesmo tempo eles se encaixam muito bem e tem a leveza do óleo com a sujeira do carvão. Em cada peça eu peso mais no carvão, ou mais no óleo. Às vezes eu quero uma coisa mais misturada. O ponto e o motivo pelo qual eu escolhi esses materiais é pelas diferenças deles e o complemento que é possível.

da Luz | 2019 | Pintura a óleo e carvão sobre
tela | 50x70cm
Crédito da Foto: Eduardo Santos
Baseado em fotos de performances do bailarino de Butô
Kazuo Ohno.
Se existe uma mensagem na exposição “Enquanto o Mundo Cai”, qual seria?
JFBrittes: Esta é uma questão que eu gostaria de ouvir do público. Contudo, creio que há várias mensagens e gostaria de saber o que cada pessoa capta e sua interpretação. Pois há várias maneiras de ler o trabalho e as mensagens a serem retiradas dele. No entanto, o fator comum creio que seria a sensibilização.
De onde vem o seu interesse pela dança e como isso reflete no seu trabalho? Pelas suas respostas você parece ser um mensageiro também da expressão de outras formas de arte.
JFBrittes: A minha relação com a dança vem da conexão com a figura humana. O que eu gosto de fazer mais são figuras humanas, relações e sentimentos. E são questões muito vivas nas danças e performances. As colaborações que faço com o pessoal da dança são de extrema importância. A natureza delas me atrai bastante e eu acabo traduzindo isso para a minha própria arte.
Como ocorre, na sua opinião, esta relação entre estas diferentes formas artísticas e, em especial, no seu trabalho?
JFBrittes: Isso ocorre muito na arte contemporânea e há uma grande riqueza quando conectamos os vários meios artísticos. Eu vejo os meus quadros como colaborações. É uma leitura minha, mas é um trabalho em colaboração. Então, assim eu posso seguir contando histórias que não são relacionadas a mim diretamente. Até muitas vezes são, mas não necessariamente. Na minha visão, a arte é enriquecedora quando há está troca.
Quais são os seus planos para o futuro?
JFBrittes: Primeiro, eu gostaria de levar essa exposição ou partes dela para outras cidades e outros locais. E seguirei fazendo estas colaborações. Quero entrar em contato com alguns grupos de dança aqui em Minas e em São Paulo. E vou continuar estudando e abordando questões como o afeto. Trabalho muito com série de quadros. E viso ampliar uma série atual que já tem seis quadros e fala sobre o amor e o afeto não normativo. Alguns deles já estão na exposição e eu pretendo continuar.
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