
“Onde poderei encontrar o antigo horror do homem diante dos aspectos místicos e confusos e ameaçadores e inexplicáveis? Onde poderei tremer diante do prodígio obscuro e sinistro? Não posso viver sobre esta terra escrava, medida, aproveitada centímetro por centímetro”. (D’ANNUNZIO, 1962, p. 737)
Em sua antologia “Contos fantásticos do século XIX” publicada pela primeira vez na Itália pela Editora Eiunaudi em 1983 e, no Brasil, pela Companhia das Letras em 2004, o escritor Italo Calvino, autor de Cidades Invisíveis (1972), escreve o seguinte veredito acerca da produção de literatura fantástica italiana: “deixei de fora os autores italianos porque não me agradava a ideia de incluí-los só por obrigação de presença: o fantástico na literatura italiana do século XIX é decididamente um campo ‘menor’”. Diante de nomes como E.T.A Hoffman, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant e tantos outros que compõe não somente a tradição de literatura fantástica como também a de horror literário, o escritor italiano optou por não forjar uma falsa adesão de seu próprio país a uma tradição que, segundo ele, não combinava com a Itália.
Entretanto, tantos anos após a antologia selecionada por Calvino e depois de tantas evoluções nas pesquisas acerca das literaturas e dos movimentos estéticos, seria possível reconsiderar a fala de Calvino? Objetivando desfazer qualquer mal-entendido, pretendo demonstrar a presença do fantástico (e do horror) a partir de um breve passeio através da trajetória de quatro autores: Iginio Ugo Tarchetti (1839-1969); Carolina Invernizio (1851-1916); Luigi Capuana (1839-1915) e Gabriele D’Annunzio (1863-1938). Os quatro escritores, longe de terem qualquer ligação ou de compartilharem um mesmo direcionamento estético, podem ser agrupados por um fator principal: embora pertençam cada um a uma corrente literária diversa, todos, invariavelmente, colaboraram para a formação de uma literatura italiana de horror através de certos laboratórios de escrita, da produção de contos ou até mesmo de romances inteiros com a inspiração gótica.
Começando por Iginio Ugo Tarchetti, é possível dizer que o escritor foi um dos representantes mais prototípicos do movimento da Scapigliatura. Para entendermos as bases dessa corrente estética e filosófica, podemos recorrer ao próprio nome do movimento; a palavra scapigliatura surge de um neologismo que compreende a junção de dois substantivos: spettinatura [descabelamento] + scompigliatezza [confusão, desordem]. Ou seja: o scapigliato, isto é, aquele que adere ao movimento da Scapigliatura é, por natureza, um rebelde que foge aos padrões impostos pela sociedade e que, ao mesmo tempo, padece das confusões criadas pela sua psique.
O manifesto do movimento é redigido por Cleto Arrighi (1828-1906) e serve de prefácio para o seu romance “A scapigliatura e o 6 de fevereiro” (1862); dentre as características definidas pelo autor como aquelas ideais para um scapigliato, Arrighi não deixa de mencionar a dualidade de seus seguidores, a começar pela parcela luminosa e genial: “De um lado: um perfil mais italiano que milanês, pleno de brio, de esperança e de amor; e representa o lado simpático e forte desta classe, inconsciente da própria potência, propagadora das brilhantes utopias, origem de todas as ideias generosas”. Porém, tão importantes quanto aqueles brilhantes intelectuais utópicos serão os seus reversos, aqueles indivíduos marginais e sombrios que compõe o reverso da medalha:
“Em vez disso, do outro lado, um rosto abatido, sulcado, cadavérico, sob o qual estão as impressões das noites passadas na perversão e no jogo; no qual se esconde o segredo de uma dor infinita, os sonhos tentadores de uma felicidade inatingível, as lágrimas de sangue e as tremendas desconfianças e o desespero final“. (ARRIGHI, 1862, p. 8)
Voltando ao nosso escolhido, Iginio Ugo Tarchetti parece justamente fazer parte desse segundo grupo: abatido, sulcado, cadavérico. Embora tenha falecido prematuramente aos 30 anos graças a uma epidemia de tifo, sua vida não deixou de ser polêmica e bastante interessante. Foi poeta, romancista e jornalista; após concluir seus estudos envolveu-se, por questões econômicas, na vida militar para posteriormente sustentar uma postura rigidamente antimilitarista; esteve envolvido com um caso polêmico de plágio da autora Mary Shelley; seu romance mais celebrado, “Fosca” (1869), teve que ser concluído pelo seu grande amigo e protetor Salvatore Farina – posto que o autor morreu antes da conclusão de sua história – e, enfim, tornou-se um verdadeiro representante da literatura gótica com a sua coletânea póstuma Racconti Fantastici (1869) [Contos Fantásticos].
Começando pela apropriação do conto de Shelley, Tarchetti publicou, pela Rivista Minima, um conto que foi considerado como o pioneiro do gênero fantástico na Itália. “Il mortale immortale” (1865), no entanto, é somente uma tradução italiana do conto de Shelley “The Mortal Immortal” (1833). Embora seja uma tradução, o autor jamais citou a autoria de seu conto e, três anos após esse evento, Tarchetti republicaria seu plágio em uma segunda revista, Emporio Pittoresco, sob o título de “L’elisir dell’imortalità”. Mesmo tendo uma segunda chance para retratar-se e atribuir finalmente a autoria do conto à autora que o escrevera, ao afastar-se completamente do título original, o autor italiano apagou qualquer rastro de autoria da escritora inglesa, assumindo, terminantemente, a autoria da obra na Itália.

O seu último romance, “Fosca”, sustenta um tema bastante afastado dos moldes românticos. A história narra as desventuras de um triângulo amoroso composto de Giorgio, um jovem militar belo e forte; Clara, uma jovem lindíssima e representação da mulher bondosa e idealizada (presa, porém, a um casamento arruinado); enfim, Fosca, o retrato da mulher histérica finissecular: extremamente feia e adoentada, quase morta por um desequilíbrio mental, mas possuidora de uma grande inteligência e de uma singular sensibilidade.
Giorgio oscila entre os encontros fortuitos proporcionados pelo amor proibido de Clara e a compaixão por Fosca, perdidamente apaixonada pelo soldado. Ao fim, após um acidente com o marido, Clara resolve romper com Giorgio e dedicar-se, enfim, à sua vida de casada; quando o jovem militar vê-se sozinho pela primeira vez, opta por dedicar-se à Fosca, no entanto, pouco tempo após essa resolução, sua amante morre. Giorgio fica só: sem a beleza inalcançável de Clara e sem a dedicação e fidelidade da feia Fosca. Embora o romance “Fosca” apresente uma ruptura com o romantismo em sua crítica aos valores idealizados sobre amor e sociedade, Tarchetti não se alia à tradição de horror gótico nesse romance.
Nesse ponto, seu livro póstumo “Contos fantásticos” oferece uma contribuição muito mais precisa e bastante relevante; dentre os contos publicados, destaco a obra “Um osso de morto”, publicada anteriormente na revista milanesa “L’Illustrazione Universale”. No conto, um jovem desenhista é convidado por um professor de patologia de uma universidade local para estudar desenho através das aulas de anatomia. Para complementar sua formação, o jovem pede ao professor alguns ossos de cadáveres que ele pudesse levar para casa e utilizar como modelos para seus estudos de desenho.
Pouco depois desse estranho estágio, o professor morre e o jovem decide livrar-se dos ossos, ficando apenas com uma desgastada patela que utilizava como peso de papel. Com a chegada de um famoso hipnotizador na cidade, o jovem decide comunicar-se com o falecido Federico; na sessão, ele é informado pelo professor de que aquela patela que repousava em sua escrivaninha pertencia ao espírito de Pietro Mariani e que o ex-funcionário público iria busca-la naquela mesma noite. O fim do conto mescla elementos humorísticos e grotescos através de uma conversa fiada entre o espírito de Pietro Mariani e o jovem desenhista.

Saindo dos temas de mutilação e ossos de Tarchetti, entramos no topos do sepultamento vivo presente em Carolina Invernizio. A autora é uma das mais injustiçadas do século XIX na Itália, posto que pouquíssimo mencionada no cânone literário graças ao seu tipo de escrita muito vinculado ao Romanzo d’appendice e ao movimento do Romanzo Rosa. O Romanzo d’appendice é a conhecida técnica de publicação periódica que aqui no Brasil conhecemos como folhetim; assim como as publicações folhetinescas, a sua versão italiana foi, diversas vezes, encarada como um gênero menor. Uma derivação do feuilleton francês e do serial inglês, o Romanzo d’appendice teve seu auge no século XIX através das publicações jornalísticas semanais/quinzenais.
Duas grandes representantes do gênero foram Matilde Serao (1856-1927), amiga pessoal de D’Annunzio, e Carolina Invernizio, frequentemente subestimada pela crítica: “le nostre signore tengono Gabriele D’Annunzio sul comodino e Carolina Invernizio sotto il guanciale”. [As nossas senhoras mantêm Gabriele D’Annunzio na mesa de cabeceira e Carolina Invernizio sob o travesseiro] (CHIARELLI, 1924, p. 26). É oportuno ressaltar que, embora na atualidade a autora seja pouco estudada, à sua época Carolina Invernizio, em um prazo de 40 anos, chegou a escrever 123 romances publicados em periódicos – inclusive no Brasil, suas publicações obtiveram amplo reconhecimento através do “Jornal das Moças” e “Diário da tarde” – seus escritos encontram-se, inclusive, disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.
Além disso, por fazer parte do chamado Romanzo Rosa que, grosso modo, baseia-se em um gênero literário que narra histórias de amor com finais felizes, a crítica ateve-se pouquíssimo à sua associação com o gênero de horror ou a literatura gótica. Tomando como exemplo seu livro “Il bacio di una morta” (1886), adaptado para o cinema duas vezes, a primeira em 1949 e a segunda em 1974, temos verdadeiras pistas da predileção de Invernizio pelo horror. Clara, a protagonista do romance, é envenenada pelo seu próprio esposo e sofre um episódio de catalepsia severo, chegando a ser dada como morta; sua salvação vem de seu irmão que, ao visitar a sua câmara mortuária e dar-lhe um último beijo, constata uma respiração fraca e uma pulsação quase inexistente, resgatando-a e impedindo o sepultamento.
Mesmo que o foco principal da trama seja um verdadeiro melodrama e uma constante guerra entre Clara, a heroína, e Nara, a cruel amante do marido de Clara, Invernizio dedica algumas boas páginas do romance a descrever eventos de sepultamento vivo – para dar veracidade ao episódio de Clara –, bem como a uma paisagem escura, e desoladora em um castelo assombrado pelas memórias da protagonista. Em Luigi Capuana, um dos fundadores do verismo, a predileção pelo horror e o insólito dá-se pelo viés do espiritismo: um forte interessado pela doutrina, Capuana chegou a frequentar reuniões com a sua máquina fotográfica na intenção de capturar momentos que comprovassem cientificamente a presença de espíritos e fantasmas.
O resultado disso é uma coleção de fotos que capturam médiuns em plena prática, fotos de post mortem de crianças exumadas, autorretratos proféticos – onde o autor fotografa-se fingindo estar morto – e até mesmo um retrato de uma jovem de 16 anos que afirma estar possuída pelo espírito do poeta Ugo Foscolo (1778-1827) – para Capuana, a fotografia seria um grande facilitador na comprovação do sobrenatural. Curioso é o caso do conto “O vampiro”, escrito em 1906, pouco tempo após a publicação de “Drácula” (1897), de Bram Stoker e quase um século depois de “O vampiro” de John William Polidori (1819), mas, diferente de seus irmãos vampíricos, o protagonista de Capuna é invisível e não se alimenta de sangue, mas sim de energia.
Seu prefácio é dedicado a César Lombroso (1835-1909) um renomado – e polêmico – psiquiatra e cirurgião e, durante todo o conto, Capuana mescla cenas de verdadeiro horror e angústia experimentados pelo casal que é atormentado pelo vampiro com as reflexões de descrença de um amigo médico que é chamado para avaliar a situação de forma neutra. O médico mantém-se firme na resolução de desacreditar o casal, afirmando tratar-se de um delírio coletivo, até o momento em que vê com seus próprios olhos o bebê, filho do casal, ser atormentado por aquele mau espírito – como se lhe sugassem a energia pela sua pequena boca:
“Ninguém ousava falar. Somente o suave lamento do menino os fez correr ansiosos para o berço. O bebê gemia e gemia, debatendo-se sob a opressão de algo que parecia pesar sobre a sua boca, impedindo-o de gritar… De repente esse fenômeno também cessou, e não aconteceu mais nada“. (CAPUANA, 2010, p. 474)
O último dos nossos italianos, Gabriele D’Annunzio, é um improvável candidato ao gênero de horror. Desde o debute de seu primeiro romance, “Il piacere” (1889), o autor esteve sempre vinculado ao decadentismo e ao seu correspondente esteticismo – uma forma de vida através da arte e da constante busca pela beleza. A respeito do decadentismo, é correto afirmar que, embora o esteticismo e o slogan de A arte pela arte sejam características centrais do movimento, é possível citar um bom par de exemplos de autores decadentes que mergulharam nos abismos do horror.
Prova disso é que “O retrato de Dorian Gray” (1890), de Oscar Wilde (1854-1900), é uma obra reconhecidamente decadentista e esteticista que, entretanto, não economiza nos detalhes que remetem ao horror como a cena final em que Dorian finalmente se depara com a sua verdadeira imagem no espelho: velha, cruel, satânica, abjeta. D’Annunzio, assim como Wilde, embora tenha sido frequentemente seduzido pelo luxo, o prazer e a arte, utilizou em seus romances algumas cenas exacerbadamente grotescas e sádicas. Na intenção de comprovar essa afirmação, é pertinente citar o caso das crônicas dannunzianas publicadas em jornais ou em pequenos fascículos por toda a década de 80, anterior à construção do mito de poeta decadente que ocorre a partir do 1889.
Segundo Annamaria Andreoli (2006), o autor batizou essas curtas narrativas com diversos nomes: “Fábulas mundanas”, “Figurinhas Abrucesas”, “Lendas, Histórias e Historinhas”. Entretanto, o mais curioso dos nomes atribuídos aos contos de D’Annunzio é, sem dúvida, o intitulado “Grotteschi e Rabeschi” (Grotescos e Arabescos) diante do qual se torna impossível não associá-lo à coletânea de Edgar Allan Poe (1809-1849) publicada 40 anos antes: “Tales of Grotesque and Arabesque”. Essa brevíssima tentativa de apropriação da temática gótica ocorreu no período de 18 de outubro a 1º de novembro de 1887, onde Gabriele D’Annunzio, sob o pseudônimo de Duca Minimo (Duque Mínimo) – seu pseudônimo favorito, com o qual, no ano de 1896, chegou a assinar 52 colunas jornalísticas –, realizou uma das suas incontáveis experimentações estéticas. Posteriormente, essas publicações foram reunidas e publicadas em uma única edição não autorizada pelo autor – edição essa raríssima, publicada pela última vez em 1932.
Singular é o conto “Os crisântemos”, a jornada de um convalescente por um locus horrendus – um jardim de flores monstruosas e assustadoras. Entretanto, a tentativa de uma escritura gótica não se firma somente na reprodução de temas como a construção de um locus horrendus – tão em voga para os poetas finisseculares malditos e decadentes. Gabriele D’Annunzio foi um grande fã do poeta Percy Shelley (1792-1822) e a alusão ao marido de Mary Shelley, logo no início do conto, anuncia a atmosfera sombria em que o protagonista mergulhará e nos mostra que a construção de todo esse jardim horrendo não é feita por mero acaso:
“Aqui e ali começavam a aparecer algumas flores altas em seus caules. Os arbustos e os louros faziam sombra. E a luz naquele lugar era tão estranha e, eu diria, tão sobrenatural, que eu relembrei o verso de Percy Shelley: – Um paraíso de densas sombras, iluminado pelo olhar das flores…” (D’ANNUNZIO, 1913, p. 366-367)
A ambientação sombria de D’Annunzio insere o leitor em um jardim genuinamente horroroso, cujas flores são comparadas a diversos elementos desagradáveis e repulsivos:
“Algumas das plantas das quais brotavam tais flores eram compostas de grossas folhas carnudas, de uma cor escura que pendia para o violeta, polvilhadas de penugens como se fosse bolor; ou até pariam ramificações anãs, nuas, similares a répteis mortos e a lagartas enormes; e se dividiam em lâminas planas de uma cor verde pálida, estriadas de branco e manchadas como o dorso das rãs ou das salamandras aquáticas.
Os cipós do reino pareciam teias de aranhas peludas ou maços de plumas acinzentadas. Os crisântemos estavam em grandes duplas; amarelos, mas tão suavemente que pareciam brancos e com a extremidade das pétalas suavemente tingida de violeta; e lembravam a palidez da carne de uma bebê congelada“. (D’ANNUNZIO, 1913, p. 367)
A máxima expressão do horror no jardim dannunziano aparece finalmente na coloração dos crisântemos que lembram a pele de um bebê congelado; a partir dessa percepção, o herói convalescente foge do jardim, mas fica permanentemente marcado pela visão traumática das flores sobrenaturais. Um ano antes da publicação de “Os crisântemos”, em 1896, o autor publica a obra “San Pantaleone” onde não faltam detalhes macabros, grotescos e de horror.
Posteriormente, a obra mencionada em junção com outras duas (“Terra Virgem” [1882] e “O livro das virgens” [1884]) foi editada, selecionada e teve seus títulos alterados para uma nova publicação, feita em 1902 sob o título “Novelas da Pescara”. Nessa publicação, o conto “O martírio de Gialluca“ – que tem o título alterado para “O cirurgião do mar” – destacou-se pela descrição pitoresca de uma cirurgia improvisada que é realizada em alto mar por pescadores inexperientes. Por tratar-se da história de uma operação cirúrgica improvisada por marinheiros, os elementos de horror concentram-se em detalhes que visam delinear a moléstia de Gialluca:
“Havia um vermelhão semelhante àquele de uma picada de inseto, e no meio um pequeno nódulo” (D’ANNUNZIO, 2007, p. 314);
“[,,,] o inchaço dilatara ocupando grande parte do pescoço e assumira uma forma nova e uma cor mais escura que, no ápice, tornava-se roxa” (D’ANNUNZIO, 2007, p. 315);
“[…] o pescoço ficara enorme, todo vermelho, em alguns pontos quase violáceo. Em volta das incisões começavam a aparecer algumas manchas amarronzadas” (D’ANNUNZIO, 2007, p. 321);
“Gialluca deu um urro, debatendo-se, todo ensanguentado, como um animal segurado por açougueiros” (D’ANNUNZIO, 2007, p. 320);
“Os marinheiros correram e encontraram o companheiro já morto sobre o catre, em uma posição descomposta, com os olhos abertos, a face intumescida, como um estrangulado” (D’ANNUNZIO, 2007, p. 323)
D’Annunzio, embora não seja um candidato provável ao gênero de horror foi, acima de tudo, um grande entusiasta de novidades e tendências artísticas. Além disso, é preciso que o leitor disposto a aventurar-se no poliedrismo dannunziano esteja atento à fase pré-decadentista de D’Annunzio, já que antes de firmar-se decididamente decadentista, o autor aventurou-se nos mais diversos gêneros, passando pelo naturalismo, o verismo e até mesmo o realismo russo de autores como Fiódor Dostoièvski (1821-1881) e Liev Tolstói (1828-1910).
Ameaçados pelas novidades da virada do século XIX para o século XX, pela modernidade trazida pela Segunda Revolução Industrial e pelas descobertas científicas e da psicologia experimental, muitos foram os artistas de diversas partes do globo que se aventuraram em expressões do sobrenatural, do insólito e do horror em geral. A Itália, obviamente, não ficou de fora do processo e não foi menos afetada pela enxurrada de mudanças. Busquei nesse breve passeio pela literatura italiana finissecular demonstrar que talvez Italo Calvino talvez tenha cometido um deslize ao mencionar que a produção italiana de literatura fantástica tenha sido decididamente menor.
Decididamente menor são, de fato, os estudos de italianística direcionados a esse tipo de estética os quais espero que sejam cada vez mais valorizados e numerosos, posto que muito importantes e relevantes inclusive para o entendimento social, histórico e cultural de uma determinada sociedade. Justificando essa importância da literatura de horror, tomo as palavras do mestre Howard Phillips Lovecraft como suporte:
“A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido. Poucos psicólogos contestarão esses fatos, e a sua verdade admitida deve firmar para sempre a autenticidade e dignidade das narrações fantásticas de horror como forma literária” (LOVECRAFT, 1987, p. 10).
Júlia Ferreira Lobão Diniz
Licenciada em Letras: Português – Italiano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); mestre em Letras Neolatinas/ Literatura italiana pelo Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas (PPGLEN) da UFRJ e atualmente é doutoranda e bolsista Capes em Letras Neolatinas/ Literatura italiana pela UFRJ. Sua pesquisa baseia-se na literatura de horror e na relação entre pintura e literatura, com ênfase nos conceitos de hipotipose e écfrase. Email para contato: julialobao@msn.com
Referências
ANDREOLI, Annamaria. Introduzione. In: D’ANNUNZIO. Gabriele. Tutte le novelle. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2006, p. X – XLVI.
ARRIGHI, Cleto. La scapigliatura e il 6 febbraio. Milano: Tipografia di Giuseppe Redaelli, 1862.
CALVINO, Italo. Contos Fantáticos do século XIX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.
CAPUANA, Luigi. O vampiro. In: Caninos: Antologia do Vampiro Literário. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2019.
CHIARELLI, Luigi. “Non si può dire che il 1923…” Comoedia 8, nº 20. Janeiro, 1924.
D’ANNUNZIO, Gabriele. Novelas da Pescara. Trad. de Eugênio Vinci de Moraes. São Paulo: Berlendis & vertecchia editores, 2007.
D’ANNUNZIO. Gabriele. Tutte le novelle. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2006.
D’ANNUNZIO, Gabriele. Cento e cento e cento e cento pagine del Libro Secreto di Gabriele D’Annunzio tentato di morire. In: D’ANNUNZIO, Gabriele. Prose di ricerca, di lotta, di comando, di conquista, di tormento, d’indovinamento, di rinnovamento, di celebrazione, di rivendicazione, di liberazione, di favole, di giochi, di balene. Vol. II. 3 ed. Milano: Mondadori, 1962, p. 641- 926.
D’ANNUNZIO, Gabriele. Grotteschi e Rabeschi. In.: CASTELLI, A. Pagine disperse di Gabriele D’Annunzio: Cronache Mondane, Letteratura e Arte. Roma: Editore Bernardo Lux, 1913.
LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural na literatura. Rio de Janeiro: Editora Exilado dos livros, 1987.
TARCHETTI, Iginio Ugo. Un osso di morto. In. Racconti della scapigliatura milanese. Org. Giovanna Rosa e Giuliano Cenati. Milão: Università degli studi di Milano, 2007.
Para ler
Conto “Um osso de morto”, Iginio Ugo Tarchetti (clique aqui ou na ilustração abaixo)






Para assistir
“Il cattivo poeta” (2020), de Gianluca Jodice. Filme sobre os últimos anos de vida do escritor Gabriele D’Annunzio e sobre o suposto envolvimento do autor com o governo fascista de Mussolini
“Il bacio di una morta” (1974), de Carlo Infascelli – adaptação fílmica do romance de Carolina Invernizio

“Il bacio di una morta” (1949), de Guido Brignone – adaptação fílmica do romance de Carolina Invernizio
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