
Entre os dias 8 e 12 de novembro de 2021, acontece nas plataformas virtuais do Centro de Artes UFF o encontro 200 Dostoiévski, celebrando a efeméride de nascimento do escritor russo (11 de novembro de 1821, em Moscou). O evento está reunindo artistas e pesquisadores em torno da obra de um dos autores mais influentes da história da literatura mundial. A produção literária de Dostoiévski desenvolve entre 1844 e 1881. Seu romance de estreia “Gente Pobre” aparece como um atesto de sua disposição em revelar os tipos mais comuns, desvendando suas feições e idiossincrasias.
É a alma do povo e da gente simples que movia o ânimo do escritor desde seus primeiros trabalhos em sua vinculação com a Escola Natural russa. O interesse pelo fantástico como dimensão do real e do real como dimensão do fantástico é um traço marcante de sua obra desde “O duplo”, que ao contrário de “Gente Pobre”, foi mal recebido pela crítica. No período posterior a sua prisão por participar do círculo revolucionário de Petrachévski, retoma seu projeto literário com “Recordações da Casa Morta”, “Humilhados e ofendidos” e o escrito divisor de águas “Memórias do Subsolo”.
Duas componentes da produção da obra do autor sobressaem na proposta de 200 Dostoiévski: o vínculo do autor com uma arte que expressa o solo, a dimensão ancestral de uma cultura, e a força intempestiva de sua escrita ativada por múltiplas vozes. No que tange ao primeiro traço, Dostoiévski alinha-se à orientação estética da pótchva, termo que significa “solo” em russo, que preconizava um enraizamento profundo da arte. Esse solo primeiro colado aos rostos e às faces traduz o vigor e a profundidade da alma russa, por mais que à época um capitalismo ascendente manifestasse um caráter de contínuo deslocamento e desenraizamento.
Escapando ao dilema da eslavophilia e do ocidentalismo, Dostoiévski desenvolve uma obra que ultrapassa essa aparente polaridade, para recompô-la em amálgamas singulares. A força e a gravidade de uma arte que fala a terra e sua cosmovisão nunca deixaram de ser um traço contundente de sua produção. O segundo aspecto que nos orienta diz respeito à intensidade e multiplicidade de sua escrita que se distingue, segundo o filósofo Mikhail Bakhtin, por seu caráter dialógico e polifônico.
Ao acentuar esse aspecto da obra de Dostoiévski, Bakhtin acaba por revelar não apenas uma nova perspectiva de estudo sobre o grande escritor russo, mas também o grau extremo de sua inovação estético-formal, sendo, pois, difícil hoje escapar ao duplo Bakhtin-Dostoiévski para pensar o estágio de um romance polifônico que se revela em obras como “Crime e Castigo”, “O idiota”, “Os demônios” e “Os irmãos Karamázov”. Esses dois conceitos (pótchva e polifonia) fundamentam, então, a proposta aqui desenvolvida que se desdobra na mesa “Rússia e Cultura – terra e cosmopolitismo” e nos círculos dialógicos que apresentam recortes expressivos de seus temas universais.
Destacam-se nos círculos os temas “o sonho, o inconsciente e a revelação”, com ênfase no conto “O sonho de um homem ridículo” e sua feição oracular e fantástica, “as personagens e as vozes”, construída a partir de leituras dramáticas e a “teodiceia, a justiça de Deus”, central em toda obra de Dostoiévski e aqui examinada na alegoria de “O grande inquisidor”. A programação artística conta com as apresentações do Quarteto de Cordas da UFF e da Orquestra Sinfônica Nacional UFF, exibições de filmes e ensaio visual que estabelecem confluências com a arte russa da segunda metade do século XIX.
A realização de 200 Dostoiévski conta com o brilho das participações do professor e tradutor Paulo Bezerra na conferência de abertura, as docentes Beth Brait e Ekaterina Volkova Américo, os atores Matheus Nachtergaele e Celso Frateschi, a atriz Bel Kutner aos quais se juntam os pesquisadores e artistas Edélcio Américo, Dado Amaral, Izaura Mariano, Fábio Krykhtine, Gilberto Gouma, Vitor Pordeus e Elton Luiz Leite de Souza. O encontro com a obra de Dostoiévski continua a manifestar o desafio que ela suscita, que é o de cada um desvendar-se no complexo tecido da sociedade.
Fonte: Texto originalmente publicado no site do Centro de Artes UFF.
Link direto: http://www.centrodeartes.uff.br/eventos/200-dostoievski/?fbclid=IwAR2SBpTuqCiDF3XSjOZKiwg2Eu85wfcp0vHODuygXRhNvY5JDLIIpKbQWH4
Leonardo Guelman
Superintendente do Centro de Artes UFF
Programação até 12 de novembro
11 de novembro – Quinta
15h – Apresentação da Orquestra Sinfônica Nacional UFF
Piotr Ilitch TCHAIKOVSKI (1840-1894). Serenata para cordas, Op. 48, 1º movimento (Pezzo in forma di Sonata)

Acompanhe no link abaixo
Introdução – Bel Kutner (excerto de “O idiota”, de Dostoiévski)
17h – Círculo Dialógico: As personagens e as vozes/ Apresentação Artística: Leitura dramática de extratos de obras de Dostoiévski
Participação: Bel Kutner, Vitor Pordeus e Gilberto Gouma (UFF)
Pianista: Rodrigo César
Bel Kutner apresentara leituras de textos selecionados de obras de Dostoiévski, como Niétotchka Niezvânova, publicado em 1849, Crime e Castigo (1866), O Idiota (1869), Humilhados e Ofendidos (1861) e Os Irmãos Karamázov (1879), obra que influenciou pensadores como Nietzsche e Freud. A leitura será acompanhada do pianista Rodrigo César. A direção da encenação da interpretação dos textos é de Gilberto Gouma.

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20h – Cinema: Boris Godunov
Com apresentação de Robson Leitão
De Serguei Bondarchuk (1986)
com Annatoly Vassilyev, Aleksandr Solovyov, Annatoly Romashin, Serguei Bondarchuk. URSS, 140 min.
Coleção CPC UMES Filmes/Mosfilm Cinema Concern
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12 de novembro – Sexta
17h – Círculo Dialógico: Teodiceia, o problema da justiça de Deus / Apresentação Artística: O Grande Inquisidor
Participação: Elton Luiz Leite de Souza (UNIRIO), Celso Frateschi e Leonardo Guelman (UFF)
Celso Frateschi apresentará “O Grande Inquisidor”.
A situação em que vivemos evoca insistentemente as questões humanas essenciais desse pequeno capítulo de Os Irmãos Karamázov. Os limites impostos pela pandemia instigam a reinvenção do ato teatral, já tantas vezes reinventado. Desde os primeiros espetáculos realizados em linguagem virtual, no início da quarentena, percebeu-se que não se tratava apenas de transmitir uma obra de teatro por uma mídia diferente para se atingir uma relação teatral.
As limitações e as possibilidades dessa nova realidade e da situação do nosso país nos propõem – talvez nos exijam – uma nova forma, e é essa a proposta da apresentação.
A escolha de O Grande Inquisidor deu-se pela estrutura da peça e pela contundência das provocações propostas por Dostoiévski.

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20h – Cinema: Stalker
Com apresentação de Alexandre Costa (Filosofia UFF).
De Andrei Tarkovsky (1979)
com Aleksandr Kaidanovsky, Anatoly Solonitsyn, Nikolai Grinko, Alissa Freindlikh, URSS, 161 min.
Coleção CPC UMES Filmes/Mosfilm Cinema Concern
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Um pouco mais sobre Fiódor Mirrailovitch Dostoiévski (em inglês e russo)
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