Uma breve reflexão sobre o impacto da mídia nas relações internacionais: desafios e oportunidades para os BRICS

Para ler o artigo “Revisiting Media Imperialism – Evaluating the Disparity in International News Flow”, clique na foto. Crédito: https://www.indianfolk.com/

A área das relações internacionais é um campo de estudo relativamente jovem se comparado com outros das ciências humanas. Contudo, sua abrangência e influência em um mundo globalizado e cada vez mais interconectado expandiram-se exponencialmente ao longo dos anos. As relações entre os Estados nacionais, nas mais diversas áreas, sempre foi o foco dos teóricos e pesquisadores da área, especialmente dos especialistas dos EUA e da Europa ocidental. Atualmente, em razão da forte presença e atuação de atores não-estatais no cenário mundial como organizações internacionais, conglomerados empresariais, organizações não-governamentais e outros, novas vertentes de pesquisas foram implementadas.

No entanto, nenhum destes atores ainda conseguiu sobrepor-se a importância dos países, ou melhor, dos Estados nacionais como principais atores no quadro político, econômico e social internacional. Os governos nacionais são os principais representantes de suas respectivas sociedades. Em outras palavras, de suas elites e povos. Portanto, é lógico concluir que no estabelecimento das relações entre os países, diversos interesses estão envolvidos, o que evidencia a complexidade da realidade global.

Mas qual relação a mídia teria com todas estas questões? Por anos, muitos especialistas enfatizaram que o papel dos meios de comunicação, assim como de outros setores sociais, não tinha grande relevância para se analisar as relações internacionais como um todo. O que interessa, segundo muitos destes teóricos, são as decisões estabelecidas pelos agentes dos governos nacionais que objetivem garantir o interesse maior de qualquer país: a sua sobrevivência em um ambiente global anárquico e violento.

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Contudo, o mundo tornou-se mais complexo e a tecnologia da comunicação e informação provocou transformações profundas até para as relações a serem estabelecidas entre os países, tendo uma influência muito maior no jogo e nas estratégias políticas dos países no cenário internacional. Certamente, tal situação já era verdadeira no passado, mas nunca os meios de comunicação puderam ter tamanha influência como no período histórico atual, desde o advento da criação da internet.

Atualmente, os meios de comunicação não são apenas uma ferramenta de transmissão de conhecimento, informação e preceitos ideológicos das classes dominantes e dos governos financiados e implementados por elas, mas tornaram-se parte da estratégia política de projeção internacional e assertividade dos interesses nacionais no cenário mundial. É importante lembrar que também devemos considerar a própria mídia e quem a controla como sendo um grupo que objetiva também promover e garantir seus interesses junto aos governos. Assim, se exércitos são importantes para resguardar a soberania e a sobrevivência de um país, assim como uma economia forte e desenvolvida, é de extrema importância também ter a capacidade de persuadir, de tornar a sua cultura, sociedade e país atrativo a outras nações, no intuito de promover interesses.

É o chamado Soft Power, uma outra forma de poder que, em um ambiente extremamente competitivo como o cenário internacional, auxilia na garantia de objetivos, do campo militar ao econômico, social e cultural. A mídia, seja através do jornalismo, da propaganda, ou do cinema, está no centro deste cálculo político e, em diversos casos, pode ser decisiva, já que, através dela, é possível às populações e cidadãos comuns das diversas nações obterem conhecimento e informação sobre outras partes do mundo também.

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Assim, ao saber de tal importância, em séculos passados, o imperialismo cultural e científico utilizou-se dos meios de comunicação para disseminar os ideais culturais dos países dominantes sobre suas colônias conquistadas. Da mesma forma, as forças anti-imperialistas também valeram-se dos meios de comunicação para impulsionar movimentos de libertação nacional, como a história dos séculos XIX e XX mostra.

A era dos impérios já não existe mais, no entanto as relações de poder no cenário internacional continuam sendo assimétricas. Alguns países têm maior capacidade de promover seus interesses do que outros, e o mundo ainda é regido por estruturas capitalistas que continuam a fomentar desigualdades, perpetuando uma situação de grande injustiça, dominação, normalmente, de nações desenvolvidas sobre as não desenvolvidas. Afinal, não é preciso mais recorrer ao imperialismo onde impera a subjugação de um país por outro, na condição de colônia, pois há outras formas de exercer o poder de dominação e a conquista de corações e mentes. A persuasão é a arma mais eficaz e sutil que já existiu.

Desta forma, os veículos de comunicação tornaram-se verdadeiros campos de batalha do conhecimento e da informação, em que se busca a atenção do público e fazer com que absorvam a sua versão dos fatos, das situações, da história. Um exemplo bastante evidente é o poder que as redes de jornalismo como CNN, Fox News, BBC, Reuters, DW, Agence France Presse têm de promover interesses políticos e econômicos de seus respectivos países.

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Crédito: reprodução da internet.

Igualmente, as elites econômicas e políticas de seus países, assim como suas redes de intelectuais acadêmicos e agentes culturais, especialmente do audiovisual, também conseguem, através da mídia, promover uma ideia de nações culturalmente superiores às demais. Junto a isso, está também o poder das elites destes países de criarem uma imagem própria de outros povos e nações e de fomentarem para o resto do mundo esta imagem fabricada e que, em muitos casos, não correspondem à realidade.

Em um contexto como este, os países do BRICS encontram-se ainda em desvantagem, pois não estabeleceram capacidade produtiva para equilibrar este jogo de versões e de influências. Mas aos poucos, ao menos para alguns dos países do BRICS, a situação pode estar melhorando. Por exemplo, hoje China e Índia têm mais capacidade de contestar preconceitos e visões orientalistas de muitos meios de comunicação do chamado ocidente. Suas indústrias culturais têm poder de influência em seus respectivos territórios, porém encontram certas barreiras em outras partes do mundo onde a mídia e a cultura ocidental são bastante presentes e detêm grande presença como é o caso da América do Sul e Central, ou até mesmo em algumas regiões do próprio continente asiático.

A falta de conhecimento profundo dos países do BRICS entre eles mesmos, assim como a falta de produção de conteúdo sobre sua história e cultura em geral, em suas respectivas línguas, também é um obstáculo. Tal realidade faz com que os próprios povos destas nações acabem aderindo a fontes de informação e à imagem construídas através de uma visão bastante ocidental.

Portanto, uma aproximação e cooperação direta entre os veículos de comunicação e outras plataformas de mídia do BRICS tornam-se imperativas. E para além disso, é preciso ter em mente que ao promover esta aproximação e cooperação é importante ter o objetivo de desconstruir imagens pré-concebidas sobre estes países, visando sempre o entendimento mútuo e a construção de relações de poder mais igualitárias e pacíficas em todos os campos da vida e do conhecimento.

Creio que seja bastante lógico que isso inclui mudança na formação educacional de muitos profissionais da mídia e de outras áreas, através do conhecimento produzido sobre os BRICS pelos próprios BRICS conjuntamente, ou não. Não significa que se deve rechaçar totalmente o conteúdo midiático que é produzido pelos centros de poder ocidentais, mas sim de equilibrar e dar espaço a novas formas de entender e ver estas cinco nações.

Outra questão importante é garantir que diferentes grupos sociais das populações dos BRICS, não pertencentes às elites ou outras classes mais privilegiadas, sejam capazes de ter voz e produzir conhecimento, apresentando toda a diversidade multicultural dos cinco países, outras visões sobre a realidade destes, soluções para problemas e outras formas de ver o mundo. Em termos políticos e econômicos diversas oportunidades são possíveis.

Ao promover uma visão dos BRICS sobre os BRICS nos cinco países e em outras regiões do mundo, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul contribuem para um mundo mais equilibrado, menos injusto nas relações de poder e, quem sabe, menos competitivo e mais inclinado a fomentar o benefício mútuo e a cooperação, em que o respeito e a compreensão sejam a base das relações entre os países. Em várias partes do mundo, fala-se muito por querer mudar o mundo para melhor.

Contudo, sempre é esquecido que cada povo, cada cultura, cada idioma, cada individuo tem uma forma de ver a realidade. Ou seja, o mundo melhor de um pode não ser o mundo melhor para o outro. Isso mostra que, para ter uma realidade mais equilibrada, é preciso antes olhar para o próximo como um ser humano que tem suas capacidades, problemas, características culturais e valores únicos, em que se pode sempre aprender algo novo e também respeitar a sua essência.

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por Anders Noren

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