Imperativos éticos da crítica aleatória de guerra

Crédito: ilustração por Shutterstock – editado por Büşra Öztürk/Daily Sabah.

Políticos, militantes, governantes e aspirantes a governantes devem obrigatoriamente ser contra um país invadir o outro, como a Rússia fez na Ucrânia no último 24 de fevereiro. Para além de analisar a situação ou tomar um lado, se não está envolvido, é necessário defender pilares das relações e do direito internacional que, se violados, podem comprometer a própria soberania e porque, na prática, tais conflitos penalizam os mais vulneráveis nos países envolvidos. Com esse pedacinho do terreno limpo, vamos ao ponto da propaganda gratuita de guerra para a OTAN. Ser contra a invasão não é um subterfúgio coerente para, por críticas aleatórias a um dos envolvidos, tomar parte no conflito e servir como engrenagem na máquina comunicacional do ocidente que hoje trabalha para construir um consenso anti-Rússia. Para ser efetivamente contra a guerra no leste europeu, a coerência pede que teria sido necessária uma oposição inicial em 2014, quando neonazistas tomaram Kiev.

No entanto, os liberais celebraram como um movimento democrático e grande parte da esquerda tratou o Euromaidan como um levante popular legítimo contra as heranças do stalinismo. Nesse brutal erro pretérito reside o esforço atual de rejeição da análise política associada a tentativas de auto-salvamento de reputação. Opor-se à realização de uma guerra é tanto obrigação humanista quanto truísmo. Tirando um aloprado ou outro de rede social, não é isso que se defende. O nó reside em ignorar os anos anteriores, seja por desconhecimento ou por necessidade de manter posições equivocadas. Objetivamente é pacifismo pela metade.

Pelo menos até o dia 23 de fevereiro de 2022, a Ucrânia era um regime neonazista com a economia conduzida por neoliberais subordinados ao ocidente. Um Estado policial, autoritário, persecutório, que criminalizou sindicatos, partidos de oposição, institucionalizou organizações nazi-fascistas e promovia, por ação ou omissão, assassinatos, perseguições, linchamentos, execuções (inclusive em praças públicas) e uma guerra civil contra regiões com população de etnia rus com o objetivo de extermínio e genocídio. Desde 2014, o país tem sido um polo de treinamento de milícias neonazistas de todo o mundo, incluindo do Brasil. Monumentos e homenagens públicas a Hitler e colaboracionistas da invasão nazista são corriqueiros, com direito a venda de brindes com suástica em lojas de rua e shopping centers.

(Vídeo abaixo: Cenas do Massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa, ocorrido na Ucrânia, em 2 de maio de 2014. Sede de organizações sindicais e do Partido Comunista, o edifício foi atacado e incendiado por neonazistas apoiadores do Euromaidan. A chacina resultou na morte de 42 pessoas. Crédito: Facebook Márcia Ferraz)

O sistema educacional foi reformado, com currículos e materiais didáticos refeitos para a população não ver mais o passado nazista como algo negativo e preparar o país para enfrentar a Rússia. O regime ucraniano originou-se numa “revolução colorida” entre 2013-2014 apoiada política, financeira, econômica, tecnológica e militarmente pelos EUA. Gerando uma óbvia crise, incapaz de dar respostas econômicas aos problemas da população e para evitar a volta de um governo que não fosse submisso aos EUA, um novo movimento anti-política puxado na internet foi realizado em 2019 elegendo um comediante de extrema-direita à presidência.

Tudo o que está acontecendo nesse momento decorre da tentativa de cumprimento das promessas de campanha feitas por um palhaço de auditório chamado Volodimir Zelenski: armar a população, exterminar sindicalistas e comunistas, entrar na OTAN para poder atacar a região do Donbas promovendo um genocídio e, finalmente, poder enfrentar a Rússia, se possível invadi-la, com apoio militar de Europa e EUA. E essa NFT de uma Operação Barbarossa 2.0 foi pintada com as cores do combate à corrupção. Não se inicia a análise política da invasão russa sem começar pelos antecedentes da abominação que foi a constituição do atual regime ucraniano e a necessidade do seu fim.

Num mundo ideal, seriam os trabalhadores ucranianos os autores dessa obra, mas se trata de uma população que deu mais de 70% dos votos para um boquirroto que governa pelo Twitter. E foi ele, não Putin, quem levou seu país à guerra tentando cumprir a promessa de campanha de… ir à guerra. Para limpar a barra, liberais e parte da esquerda atacam Putin, chamando a atenção para dados fora do escopo do conflito enquanto a propaganda da OTAN via imprensa ocidental e algoritmos de redes sociais faz a mágica do consenso anti-Rússia. Não ser veementemente contra a invasão é ser favorável à guerra, à morte, ao deslocamento de refugiados, às oligarquias russas, à homofobia, ao stalinismo etc.

A execução da operação militar russa inclui oferecer anistia e garantia de não retaliação aos militares ucranianos desde que entreguem aos russos os batalhões neonazistas. Não que Putin seja guerreiro da liberdade, mas por ter a clareza de que 1) desarticulando o neonazismo no vizinho, os EUA não terão mais um interlocutor anti-Rússia tão radical e disposto a ir até às últimas consequências na Ucrânia. 2) Conseguirá mostrar ao mundo que a “maior democracia do mundo” construiu o maior regime nazista depois da 2ª Guerra Mundial. Punindo os neonazistas em tribunais militares russos, Putin colocará ao ocidente o ônus de ou abandonar aliados ou defender nazistas, no momento em que Rússia e China disputam globalmente o próprio conceito de democracia para se antepor ao ideal norte-americano.

Apontar esses dados da realidade concreta não é apoiar guerras ou a invasão russa. Por sua vez, atacar o presidente russo aleatoriamente omitindo dados ou se apegando a contradições que não são determinações da crise militar com a Ucrânia é passar um pano memorável para a figura repugnante de Zelenski e seus demiurgos ocidentais. É tomar lado na guerra, o da OTAN e de um regime repugnante como o ucraniano. A invasão deveria ter sido evitada, mas não apenas pela Rússia, a responsabilidade é bastante compartilhada. EUA e Ucrânia preferiram esticar a corda e Putin julgou pertinente puxar.

Uma vez ocorrida, todos os países precisam agora trabalhar para que acabe o mais rápido possível, acordos sejam firmados para obter paz, a OTAN e os EUA respeitem soberania e interrompam movimentos hostis a outros países. Nada disso será possível sem a derrubada do regime ucraniano. O conflito já existe, não depende mais de ser favorável ou contrário. Denúncia por denúncia é fazer propaganda de guerra para um dos contendores (a OTAN e seus nazistas ucranianos). Por isso reafirmo: “se um lado é nazista, dá para ficar contra ele sim“.

Fábio Venturini
Professor na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Presidente da Adunifesp

2 comentários em “Imperativos éticos da crítica aleatória de guerra

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  1. Parabéns Intertelas. Matérias lúcidas, análises bem fundamentadas. Boas fontes.
    Essa situação é movida pelas mesmas forças que criaram o ódio ao PT, o ódio aos direitos humanos ( aquele que defende bandido), que construíram o golpe de 1964 no Brasil e a militarização da América Latina e, por último, o impeachment da presidenta Dilma, cujo voto favorável Bolsonaro dedicou ao general Ustra (torturador que na época morava em São Leopoldo). Os críticos são os mesmos, como Naom Chomski. Não se trata de uma ação isolada.

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por Anders Noren

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