
Na quinta-feira do dia 26 de maio, no Centro Cultural do Consulado Geral do Japão ocorreu o tradicional Chá Cultural que teve como tema central a vida e obra do prolífico diretor de cinema japonês Miike Takashi. O evento foi uma iniciativa do Instituto Cultural Brasil-Japão do Rio (ICBJ) e do Consulado Geral do Japão no Rio de Janeiro e contou com a presença da cônsul cultural, diretora do Centro Cultural e Informativo do Consulado do Japão no Rio Ishikawa Rina, do diretor artístico do ICBJ e também organizador do evento David Leal, de pesquisadores e professores de estudos japoneses dos mais variados segmentos e do cineasta Antonio Molina Burnes.
Miike Takashi nunca teve grandes pretensões como cineastas. Segundo suas próprias palavras, em entrevista publicada no livro do autor e especialista em cinema japonês Tom Mes, “Agitator: The Cinema of Takashi Miike”, ele nunca gostou de fazer grande esforço: “Dirigir filmes é um trabalho adequado pra mim… São os atores e a equipe que fazem todo o trabalho, o diretor apenas senta lá e diz ‘Tente outra vez’. Entrei para a escola de cinema sem nenhum propósito, mas depois que entrei para a indústria do cinema, não encontrei nenhuma razão para sair dela…”. Para alguns, tamanha honestidade seria algo bastante constrangedor. Outros até confundem tal declaração com a ideia de pessoa descompromissada, que não gosta de trabalhar.
Especialmente para japoneses, mas também para os brasileiros, duas sociedades que, de forma geral, habituaram-se a viver de aparências, repetir que se trabalha arduamente, que “se dá tudo de si”, como dizem no jargão popular, é demonstração de bom caráter e compromisso. Miike Takashi tem mais de 100 obras realizada em seu currículo como diretor, o que significa que ele de preguiçoso não tem nada, chegando ao longo de sua vida a fazer dois filmes ou mais por ano. É um obcecado por dirigir e encontra nesta atividade grande satisfação e divertimento, dando significado a sua vida. Assim, segundo o próprio diretor, se o reconhecimento do público for possível a uma obra sua, melhor ainda; caso contrário, não há problema algum, é indiferente, o que importa é continuar a filmar.

Para aqueles que assistiram a alguma produção cinematográfica dirigida por Miike Takashi é bastante evidente que questões culturais, sociais, políticas, econômicas e, principalmente, psicológicas são bastante recorrentes. Tais temáticas combinadas com um estilo bastante próprio e irreverente do diretor, que ainda deixa espaço para os atores e a equipe adicionarem suas contribuições criativas ao desenvolvimento de um personagem ou trama, acabaram tornando Miike Takashi uma referência para realizadores de seu país e do exterior. Hoje, o diretor japonês é ídolo para nomes como Quentin Tarantino e Guilherme del Toro.
Veja a participação especial de Tarantino no filme “Sukiyaki Western Django” de Miike Takashi
Provavelmente, não há tema tabu que não tenha sido abordado pelo realizador japonês: violência extrema, sadomasoquismo, necrofilia, incesto, violência doméstica, orientações sexuais, identidades de gêneros, além de todo e qualquer tipo de comportamento considerado degenerado socialmente. Miike Takashi aborda estas questões com a maior naturalidade, deixando seus personagens serem o que são, sem imposição alguma de limites morais, o que, em termos de público, pode ser incômodo para alguns, para outros não. Miike afirma que deixa a história e seus integrantes principais e secundários tomarem um rumo próprio.
Da mesma forma, o cineasta ousa em experienciar os diversos gêneros cinematográficos, não gostando nem um pouco de rótulos, tendo realizado séries românticas e até programas infantis. Contudo, em várias entrevistas, Miike já confessou ter preferência pelos filmes que contêm violência extrema: “Com eles até o sabor das refeições ficam melhores”. Desta forma, por muito tempo e até o momento, boa parte de seu trabalho é relacionada ao cinema de gênero, em especial à temática pelo qual ficou conhecido entre o público cinéfilo: os filmes de Yakuza, histórias que abordam o universo da poderosa máfia japonesa, internacionalmente atuante.
A influência da indústria cinematográfica de filmes de Yakuza e o Japão pós-guerra
Vale destacar que entre as suas referências do cinema de seu país, o diretor Fukasaku Kinji tem um destaque. Ele revolucionou os filmes de Yakuza, dando um tom bastante realista em obras que viraram épicos e clássicos do cinema japonês, como a saga “Os documentos da Yakuza”, um filme pertencente ao subgênero dos filmes Yakuza, o chamado Jitsuroku, cujos eventos são baseados em histórias reais, ou registros históricos. Esta é uma das obras preferidas e que muito influenciou Miike Takashi. Conforme Yamane Sadao, biógrafo de Fukasaku, o diretor fez parte da geração que testemunhou um Japão saindo dos escombros da guerra e ocupado pelo que antes fora seu inimigo: os EUA.
A violência, a raiva e a tristeza de uma população que acabara de sobreviver ao segundo grande conflito mundial, a escassez de produtos, a falta de ordem, a agressividade dos vitoriosos estadunidenses e o espaço para atuação de organizações criminosas foram claramente retratadas na obra de Fukasaku. Segundo Yamane, foi uma época em que havia grande desconfiança por parte dos mais jovens e adolescentes como Fukasaka em relação à geração da guerra, pois testemunharam uma sociedade que antes se identificava com o autoritarismo imperial, militarista e que tinha adoração pela figura do imperador passar, do dia para a noite, estranhamente, a renegar o passado e aderir a tal democracia “trazia” pelos EUA.
Assim, este foi um cinema onde era possível falar dos problemas e falhas humanas com toda a honestidade, segundo Miike, mas que posteriormente não encontraria mais espaço na indústria. De acordo com Yamane, Fukasaku substituiu os filmes de Yakuza chamados de Ninkyo, que escolhiam apresentar uma imagem destes indivíduos de uma forma mais honrosa. Conforme o também pesquisador, eles tinham preferência pela Era Meiji e Taisho como seus recortes temporais históricos e apresentavam Yakuzas samurais que atuavam em prol de seu país, comunidades, reprimindo seus desejos mais pessoais.
Fukasaku abandona tais perspectivas por um quadro bastante realista, em que tais indivíduos buscam apenas poder e satisfazer os seus desejos mais vis. O contexto histórico do final dos anos 1960 também auxiliou para este tipo de visão crítica. Neste período, os movimentos estudantis de 1968 e 1969 chegaram também ao Japão e contestavam a sociedade do pós-guerra. Desta forma, as entranhas deste submundo e suas relações com o aparato Estatal são expostas sem qualquer constrangimento. Afinal, a Yakuza teve um papel atuante na história do Japão do pós-guerra.
Segundo o repórter investigativo do US News e World Report, coautor do “Yakuza, Japan´s Criminal Underworld” David Kaplan, com seus membros nacionalistas e adeptos de uma linha política de extrema direita, alguns tendo sido até figuras extremistas e criminosas de guerra que conseguiram escapar de julgamento, a Yakuza, nos primeiros anos da Guerra Fria, foi o aliada do general estadunidense MacArthur. Conforme Kaplan, o objetivo central foi atacar a esquerda japonesa, seus movimentos estudantis, sindicatos e qualquer iniciativa que fosse considerada pela ocupação estadunidense no Japão como uma possível força de apoio e expansão do comunismo na ilha. O tom político contrário à esquerda no Japão descrito acima não aparece diretamente na obra de Fukasaku, mas toda agressividade, competição, corrupção e perversidade política e humana da Yakuza, no contexto caótico do pós-guerra, o diretor não se eximiu de mostrar, o que chamou a atenção de Miike Takashi.
Assim, ao levar em conta o quadro acima, como pode Miike afirmar que não tem pretensão alguma com seus filmes? Na opinião de quem escreve este texto, o cineasta pode até não ter intenções iniciais maiores com seus filmes, não querer passar mensagem alguma, porém a sua experiência de vida, desde a infância, deixou marcas que transpareceram e transparecem em suas histórias e personagens. Por isso, saber um pouco do passado deste nome marcante do cinema japonês ajuda a compreender grande parte das temáticas que suas obras apresentam. O resultado é um retrato bastante honesto sobre o humano e suas inúmeras contradições, problemas e falhas.

Como salientou o autor Mes, os filmes de Miike não se originam de um propósito específico do diretor. Porém, ao longo do processo de criação, este propósito acaba surgindo naturalmente e combinando outros gêneros do cinema. A vida de Miike Takashi foi direta e indiretamente influenciada pela história turbulenta de um Japão que tem suas raízes em um passado milenar, de costumes e organizações burocráticas e sociais milenares, mas ao mesmo tempo busca a modernização tecnológica.
Trata-se de um Japão que teve intenções de ser um grande império, saiu derrotado da Segunda Guerra Mundial, foi ocupado pelos Estados Unidos, foi forçado a abandonar costumes e modos de vida vinculados a um passado militarista, conseguiu reerguer-se às pressas e entrar para o pequeno clube de países desenvolvidos. Mas, no caminho, dado as contradições do próprio sistema capitalista, problemas viriam eclodir. Assim, na época que Miike vive e trabalha como diretor de cinema, ele vai experienciar tanto a bonança econômica do Japão, como também amargar a crise financeira de seu país que se estende até hoje, atingindo obviamente níveis políticos e sociais. De qualquer forma, as origens de Miike são a de um cineasta que nasceu em uma família humilde e que não se beneficiaria da chamada bolha econômica japonesa.
A infância e os primórdios de sua trajetória cinematográfica
Miike Takashi nasceu em 24 de agosto de 1960, na cidade de Yao, nos arredores de Osaka, e que atualmente tem uma população estimada entre 266.867 habitantes. Na época de sua infância, este município continha uma larga presença de imigrantes, especialmente coreanos, e seus habitantes pertenciam, grande parte ao menos, à classe trabalhadora. Segundo o autor Mes, a família do diretor era originária da região de Kumamoto, na ilha de Kyushu, localizada ao sul do país. Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, os avós de Miike Takashi foram assentados na China e na Coreia e seu pai nasceu em Seul, capital da Coreia do Sul. Contudo, com o fim da guerra, eles voltaram ao Japão e estabeleceram-se em Osaka.
O pai do diretor era um soldador profissional e sua mãe uma costureira que também gerenciava uma pequena escola de costura. O pai dele tinha problemas com álcool e jogo. Conforme Tom Mes, este era um lazer típico de homens da classe trabalhadora na época. A imagem masculina paterna iria incitar grande interesse no jovem Takashi. Na condição de uma família pobre, Miike não teve grande acesso à cultura. Seu pai ia ao cinema com certa frequência, mas nunca levava o filho. Esta situação permaneceu até Miike chegar à adolescência, quando ele e o pai assistiram ao filme de Steven Spielberg “Duel”. Futuramente, o diretor iria desenvolver uma grande admiração por Bruce Lee, a única figura do mundo do cinema que ele diz ser um verdadeiro fã.
Na adolescência, Miike costumava brincar com animais. Algumas brincadeiras chegaram a ser um tanto cruéis para os padrões de hoje. Ele tinha como passatempo favorito explodir sapos com bombinhas. Posteriormente, jogou rugby, depois desenvolveu um interesse por pachinko, até finalmente descobrir as corridas de moto. Nestas ocasiões, ele afirma ter experiencia do momentos únicos de adrenalina, chegando algumas vezes a correr o risco de perder a vida em acidentes. Alguns de seus amigos faleceram, mas a adrenalina de estar tão próximo da morte fazia que mesmo ao ver um acidente fatal, alguns dias depois, voltasse a correr. Miike chegou a pensar em competir profissionalmente, mas logo percebeu que não tinha o talento suficiente. Por isso, tentou ser mecânico e participar das equipes de corridas, mas a falta de vontade para estudar logo fizeram com que também desistisse da ideia.
Quando o ensino médio acabou, viu-se logo pensando no que fazer para deixar a casa dos pais. Não tendo qualquer intenção de continuar seus estudos, pensou em entrar para a máfia japonesa, a Yakuza, organização tão presente em áreas habitadas pela classe trabalhadora na época. Segundo o próprio Miike, era normal as famílias terem membros pertencentes à Yakuza, podia ser um irmão, ou o próprio pai. Porém, na visão do diretor, para ser um gangster é necessário realizar muito esforço, por isso ele também desistiu da ideia. De acordo com Mes, um dia ele estava ouvindo o rádio e, por coincidência, surgiu a locução comercial da Escola de Radiodifusão e Cinema de Yokohama que não realizava provas de admissão e aceitava qualquer candidato, inclusive os que não conseguiam entrar em qualquer universidade.
Como foi uma oportunidade única para sair de casa e não fazer nada, ele deixou Osaka aos 18 anos para estudar cinema nesta escola fundada pelo renomado diretor Imamura Shohei. Assim, seus pais pagaram parte de sua mensalidade, possibilitando ao filho estabelecer-se em um pequeno apartamento em Yokohama e conseguir um trabalho em um clube noturno chamado Soul Train, frequentado por militares estadunidenses, já que a base de Yokosuka ficava próxima do local. Segundo Miike, ele teve a oportunidade de conversar com muitos soldados negros, ouvir música e divertir-se.
Porém, os estudos novamente não receberam muito da sua atenção. No primeiro ano, ele frequentou somente dois meses de aulas e no segundo ano compareceu apenas a duas aulas. No entanto, a falta de compromisso de Miike com os estudos foi o que levou a escola a escolhê-lo para trabalhar como assistente de direção em séries para a televisão. Conforme Mes, uma produtora procurava alguém que realizasse um trabalho voluntário e Miike era o único estudante que não estava focado em realizar o seu filme de graduação de curso. Assim, começa a fase de Miike Takashi como assistente de direção.
Segundo o diretor japonês, em uma realidade onde as equipes continham profissionais assalariados vinculados a sindicatos e freelancers, eram estes últimos que realizavam grande parte do trabalho, já que os demais viam aquela situação apenas como um emprego para garantir uma vida confortável e estável, algo que para o jovem Takashi era pouco interessante. Porém, esta situação possibilitava um número maior de empregos para freelancers e Miike aproveitou o momento intensamente, tendo por quase dez anos aceitado em torno de 40 a 50 trabalhos por ano, o que fez com que rapidamente ascendesse na hierarquia da indústria da televisão como assistente de diretor. Definitivamente, o jovem preguiçoso encontrara seu campo de atuação profissional e viria a ser um prolífico diretor.
Rapidamente, após intensa experiência profissional, Miike Takashi começou a ver a televisão como um campo limitador e pouco experimental. Assim, seria no cinema onde encontraria maior liberdade de criação. Ele trabalhou ainda como assistente de direção em filmes de cineastas como Imamura Shôhei, Masuda Toshio, Gotô Shuji, Onchi Hideo e Kuroki Kazuo. Já sua carreira como diretor teria início na indústria de vídeos, onde ele encontraria um espaço que seria um real laboratório.
Segundo Mes, no período da chamada bolha econômica japonesa, empresas de outros ramos de atuação passaram a investir em filmes produzidos diretamente para o mercado de vídeos. Estes novos produtores não tinham grande critérios de contratação, assim muitos realizadores japoneses como Kurosawa Kiyoshi e o próprio Miike Takashi foram frutos desta indústria. Os filmes para vídeo de Miike, feitos entre 1991 e 1995, não têm nada de especial, como salienta Mes. Na realidade, são apenas demonstrativos de que o diretor iniciante ainda necessitava de mais experiência como realizador. Porém, ele conseguiu nestes poucos anos ter grande liberdade de criação, podendo inclusive ter resultados ruins de receptividade do público, sem que isso tivesse grande impacto em sua jovem carreira.
Assim, seria apenas em 1995, com o lançamento de “Shinjuku Triad Society”, seu primeiro filme feito para a exibição em salas de cinema, que o diretor teria uma evolução significativa na condição de diretor e artista. Mes descreve o período de 1995 a 2002 como a fase que Miike aprimora seu talento para obras que abordam temas sobre foras da lei. Em especial, ele evoluiu o desenvolvimento de características que já podiam ser observadas em seus filmes para vídeo. Tais características e temáticas podiam ser constatadas principalmente em seus personagens e narrativas.
Temas recorrentes na obra de Miike Takashi
Segundo Mes, muitos especialistas acadêmicos e profissionais do cinema escreveram e analisaram a obra de Miike Takashi, tentando definir suas temáticas. Mes afirma que o diretor e roteirista japonês Zeze Takahisa uma vez argumentou que os personagens de Miike são unidos pela incapacidade de escaparem do Japão, seja fisicamente ou, mais importante, de psicológicamente. De acordo com Mes, o diretor baseou seu ensaio em filmes como “Shinjuku Triad Society”, “Rainy Dog” e “The Bird People in China”, onde Miike apresenta personagens japoneses vivendo em países estrangeiros.
Mes ainda explica que o historiador estadunidense do cinema japonês, membro da Universidade de Yale Aaron Gerow redefiniu e expandiu a teoria de Zeze afirmando que a união dos personagens de Miike ocorrem não através de seus laços com o Japão, mas justamente na ausência desses laços. Segundo Mes, Gerow enfatiza particularmente o que chama de “sonho impossível”, uma utopia imaginária que personagens criam para si mesmos e que almejam alcançar, no intuito de escapar da condição de sem origens, de sem raízes.
Apesar de abordarem tais elementos sobre as temáticas dos filmes de Miike Takashi, Mes explica que os autores citados acima negligenciam como tais elementos estão interconectados e, muitas vezes, sobrepostos nas obras. Assim, ele estabelece seis estágios em que os personagens, suas ações e, consequentemente, as histórias desenvolvem-se nos filmes de Miike. São eles: indivíduos sem raízes, os exilados/marginalizados/párias, os que buscam a felicidade, os que tem nostalgia, os que almejam reconstruir a unidade familiar e os que recorrem à violência. Os personagens podem, às vezes, ir de um estágio a outro sucessivamente; outras vezes, podem percorrer apenas alguns desses estágios. No entanto, conforme Mes, a base que os define, a falta de origens, em seus níveis mais fundamentais, está bastante presente nos filmes de Miike.
Sobre a falta de raízes, Mes, baseado nos estudos de Gerow, argumenta que ela é abordada de vários formas, porém a falta de identidade dos personagens é a mais recorrente. De acordo com Mes, neste estágio há cinco possibilidades que podem ser observadas: a cultural ou étnica, a geográfica, a genealógica, a fisiológica e a mental. Na primeira, os personagens de Miike não sentem qualquer conexão com uma cultura, etnia ou nação.
Os exemplos são os mais variados: crianças nascidas no Japão de pais de etnia japonesa e que nasceram no exterior e depois retornaram ao Japão; ou os nascidos em famílias que viveram em culturas estrangeiras e que ao crescerem não tem um senso definido de nacionalidade e, por fim, os que são provenientes de família multiétnicas, multiculturais e multinacionais. Para os personagens sem raízes geográficas, eles obtêm o senso de pertencer a uma identidade cultural e étnica, porém vivem em uma cultura estrangeira e necessitam com viver em ambiente que lhes é estraho. Neste aspecto, Miike parece transpor que estrangeiros tem maior facilidade de adaptação na cultura japonesa, do que os japoneses em outras culturas.
Os sem raízes genealógicas são os personagens órfãos que podem chegar a testemunhar a morte brutal dos parentes ainda pequenos. Já os sem raízes fisiológicas estão relacionados à questões e transformações do corpo, como a personagem hermafrodita em “Fudoh: The New Generation” e o Yakuza de “Full Metal Gokudô” que é assinado e ressuscita através de um experimento científico, tornando-se uma criatura metade homem, metade robô, lembrando o clássico de Hollywood “Robocop”. Finalmente, os sem raízes com questões mentais, são os personagens que sofrem de alguma doença como esquizofrenia, psicose, ou perda de personalidade.
O segundo estágio, o dos marginalizados, está intimamente relacionado ao primeiro, conforme Mes. A falta de raízes dos personagens faz com que o mundo ao redor seja hostil aos personagens. Contudo, não apenas a falta de raízes, mas também outras razões como o ser jovem em uma sociedade altamente hierarquizada e em que os mais velhos exercem um poder, muitas vezes, descomunal, ou mesmo aqueles que são pertencentes a classes menos abastadas, o tradicional classicismo. De acordo com Mês, ao sentirem que não têm qualquer espaço nesta sociedade, os personagens de Miike não sentem a obrigação de viver sob suas regras. Assim, viram criminosos, ou buscam uma outra forma de existência nas margens da sociedade, ou até vão em busca de outras formas de felicidade para compensar a sensação de serem marginalizados.
O terceiro estágio de busca pela felicidade é desenvolvido na tentativa dos personagens de escapar do ambiente hostil, de tentar encontrar uma harmonia com o ambiente a sua volta, de encontrar um parceiro ideal, de reaver a completude familiar ou de grupo, ou encontrar conforto em pensamentos nostálgicos. No primeiro caso, alguns dos personagens de Miike tentam escapar do Japão e buscar a felicidade em outros países, mas como salientado antes por Gerow, trata-se de uma utopia, uma ideia sonhadora de encontrar um espaço onde todos são aceitos. Na completude familiar, os personagens provenientes de passados conturbados, com famílias disfuncionais, tendem a remediar isso refazendo a unidade familiar através de famílias substitutas ou agrupamentos dos mais variados. Já o referente à nostalgia, as lembranças da infância, de um passado idílico na mente dos personagens, apaziguam o presente dolorido sem raízes.
Por fim, todos estes estágios acabam resultando no estágio final, na superfície do que é facilmente visto e apresentado na obra de Miike: a violência extrema. Esta é em si a consequência de vida marginalizada, do fim da infância, da desintegração do grupo, ou da família, de ser fisiologicamente diferente, da falta de raízes. Por fim, Mes salienta como tais características presentes nos personagens e histórias de Miike estão fortemente relacionados ao seu passado familiar. São alguns deles: o viver na China e na Coreia durante a guerra, a vida humilde em um bairro de imigrantes e trabalhadores em Osaka e seu distanciamento da família ao ir para Yokohama.
Estas e outras características serviram de base para tornar a obra de Miike Takashi única. Esta origem é a semente de um cinema subversivo, que desconstrói, que serve para entreter e refletir, mesmo que o diretor afirme não ter tal intenção. Nada é mais significativo que a vida em si como fonte primária da obra artística cinematográfica. Dela um realizador, que não teme abordar o caos, nem impõe limites aos rumos que a imaginação e a criatividade querem tomar, consegue construir um estilo próprio e que encontrou um lugar especial na história do cinema.
Assista à palestra nos vídeos abaixo. Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
Parte 6
Parte 6
Deixe seu comentário