
Na sexta-feira, dia 24 de junho, a Embaixada da República do Cazaquistão no Brasil e o Centro de Estudos Asiáticos (CEA) da Universidade Federal Fluminense (UFF) realizaram a conferência “Língua e literatura cazaque: interesse e resposta no Brasil”, que fez homenagem aos 150 anos do intelectual, político, linguista, poeta e educador Ahmed Baitursynuly, conhecido também como fundador do alfabeto cazaque. A iniciativa contou com a presença de representantes e autoridades de instituições brasileiras e cazaques. Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) incluiu Ahmed Baitursynuly na lista da UNESCO para 2022-2023, em homenagem ao 150º aniversário de seu nascimento. Durante o evento, foi assinado um acordo de cooperação entre a Embaixada do Cazaquistão e o CEA-UFF.
Além de um curta-documentário sobre a vida desta figura histórica, os presentes acompanharam as exposições da mesa composta por: Edélcio Américo, professor, pesquisador do CEA-UFF e instrutor de língua russa no PROLEM-UFF, Darkhan Torekhanov, chefe do administrativo da Embaixada do Cazaquistão, Bolat Nussupov, embaixador do Cazaquistão, Ekaterina Volkova, professora, pesquisadora e fundadora do CEA-UFF, Mateus Nascimento, pesquisador e fundador do CEA-UFF e o cônsul honorário do Cazaquistão no Rio de Janeiro, Aloysio Teixeira. Segundo o embaixador Nussupov, a língua cazaque é falada por cerca de 17 milhões de pessoas no mundo, o que também engloba comunidades étnicas que vivem na Rússia, na China, no Uzbequistão, no Turcomenistão, na Turquia, na Mongólia, entre outros.

Ainda de acordo com o diplomata, o idioma é encontrado no Afeganistão, Paquistão, Irã e Alemanha. “A língua cazaque foi formada durante os séculos XIV-XVII e fez parte das tribos turcomanas, ou também chamadas de túrquicas, ou até turcas que percorriam o território do Cazaquistão na era do colapso da Horda Dourada. Assim, a literatura cazaque antiga tem como base as tradições literárias dos antigos turcos. Já a língua cazaque moderna originou-se na segunda metade do século XIX. Poetas e educadores importantes como Abai Qunanbayuly e Ibrahim Altynsarin tiveram papel relevante em suas origens. Durante séculos, a escrita cazaque usou diferentes alfabetos: o latim, o árabe e o cirílico”.
Conforme o professor Américo, o legado de Baitursynuly é imenso e sua obra colossal tem importância histórica equivalente a outros pensadores europeus, principalmente em questões referentes à preservação da cultura e da identidade nacional. “Ahmed acreditava que é apenas possível livrar-se da escravidão colonial através do estudo. Além de fundador da língua cazaque moderna, suas contribuições literárias e obras sobre teoria literária e metodologia para ensino do idioma nacional são de fundamental importância histórica”. Para o embaixador Nussupov, Ahmed Baitursynuly é um herói nacional: “Suas obras são inestimáveis para as futuras gerações de nosso país e somos muito gratos a ele por sua grande contribuição para o desenvolvimento da língua cazaque moderna. Ele desenvolveu os fundamentos científicos para definir a terminologia e a gramática cazaques”.




Um pouco sobre a vida de Ahmed Baitursynuly
Educador e pensador político com grande atuação em prol da independência do Cazaquistão, Ahmed Baitursynuly nasceu no ano de 1873, na região de Kostanay, em uma família muçulmana cazaque. Ele alfabetizou-se em cazaque, persa, turco e árabe. Iniciou seus estudos na Escola Russo-Cazaque Turgai e depois foi para a Escola de Professores de Orenburg, fundada pelo intelectual cazaque Ibrahim Altynsarin. Após a sua formatura, ensinou em diversas cidades do país. Segundo artigo publicado por Assel Satubaldina do Astana Times, em 1912, Baitursynuly reformou o alfabeto cazaque, excluindo todas as letras puramente árabes não usadas no idioma nacional e acrescentou letras específicas do cazaque. Ahmed ensinou em diversas escolas das aldeias cazaques. Neste período, conheceu a russa Aleksandra Ivanovna que viria a ser a sua esposa. Eles moraram em Kostanay. Depois mudaram-se para Omsk, e, posteriormente, para Karkaralinsk, onde permaneceram até 1909.
A partir do ano de 1905, o envolvimento de Baitursynuly com causas nacionais intensificou-se, a exemplo foi um dos autores da Petição Karkaraly, que defendia o fim da expropriação de terras dos cazaques, a suspensão do fluxo de imigrantes e o estabelecimento de zemstvos populares, um sistema de administração local introduzido ainda em 1864, em uma das reformas do czar Aleksandr II da Rússia. Suas críticas ao governo russo czarista fizeram com que fosse perseguido e exilado, assim como seu pai e irmãos anteriormente. Ele integrou grupos de intelectuais que buscavam a libertação nacional e foi responsável pela organização de jornais e outras publicações que, para além de educativas, tinham também a fomentação da causa nacional.

Em 1917, durante o período da Revolução Russa, ele retorna do exílio e colabora com os membros do Alash Orda. No final do mesmo ano, ele foi eleito para a Assembleia Constituinte de Turgai. Segundo a enciclopédia Britannica, Alash Orda foi um partido político fundado pela elite cazaque e que visava a criação de um Estado independente. Historicamente, durante a guerra civil russa, os integrantes deste partido primeiro estabeleceram relações com o Exército Branco, mas como estes acabaram posicionando-se totalmente contra a possibilidade de um Cazaquistão autônomo, o partido buscou uma aproximação com os Bolcheviques. Com a vitória dos comunistas, o Alash Orda seria desfeito. Este histórico, durante a década de 1930, teria grande impacto na vida de Baitursynuly, principalmente com a chegada de Iosif Stalin ao poder .
Em 4 de abril de 1919, foi anistiado pelo Comitê Executivo Central de Toda a Rússia e posteriormente chegou a integrar o Partido Comunista Bolchevique. Neste período, ele promoveu ações para reformar a educação no Cazaquistão e estabelecer a primeira universidade cazaque. Atuou também como membro do Comitê de Deputados da Assembleia Constituinte e como vice-presidente do Comitê Revolucionário do Krai do Cazaquistão. Porém, na década de 1920 do século passado, com a morte Vladimir Lênin, a disputa de poder interna acirrou-se em Moscou, impactando toda a então recém criada União Soviética. Da mesma forma, os soviéticos ainda viviam as consequências da guerra civil e da revolução, tanto no plano doméstico, quanto externo, a medida que sofriam inúmeras sanções e embargos dos países do ocidente que apoiaram e auxiliaram o Exército Branco anteriormente.

Da mesma forma, choques e conflitos entre as diversas linhas de pensamento sobre a implementação do socialismo e o que viria a ser uma sociedade socialista ocorreram. Este contexto político conturbado e extremo, levou Baitursynuly a ser considerado uma figura controversa demais para muitas autoridades soviéticas da época que o acusavam de resguardar “sentimentos nacionalistas burgueses”. Em especial, conforme artigo de Steven Sabol, professor do Departamento de História da Universidade da Carolina do Norte no EUA, as conexões do partido Alash Orda tiveram grande impacto na visão daqueles que iriam considerar Baitursynuly uma espécie de ameaça ao povo cazaque e soviético. Assim, ele é preso novamente.
Em 1934, a pedido de E. Peshkova (esposa do escritor Maksim Gorki), que trabalhava na Comissão da Cruz Vermelha, Baitursynuly foi libertado e voltou a morar com sua família em Alma-Ata, (atual Almati). Contudo, em outubro de 1937, ele volta a ser preso e é, consequentemente, executado. Anos depois, segundo Sabol, ele e sua obra foram reabilitados em 1988 pelo Comitê Central do Partido Comunista do Cazaquistão. Assim, neste ano em diante, Ahmed acabou por receber lugar de relevância central na história do Cazaquistão.
A divulgação da cultura cazaque e da Ásia Central no Brasil e as perspectivas futuras para a cooperação cultural
A importância geopolítica do continente asiático, assim como da Ásia Central e do próprio Cazaquistão, que são vizinhos de Rússia e China, faz com que cada vez mais a sociedade brasileira tenha de buscar aproximações com países que até o presente momento ela pouco conhece. Assim, o CEA-UFF é: “Um núcleo interdisciplinar de estudos e pesquisas sobre a Ásia, que se propõe analisar e investigar os processos histórico-sociais dos países do continente asiático”, explica a professora Ekaterina Volkova.
Nas palavras da também fundadora do centro de estudos: “Estamos vivendo em um mundo em que cada vez há uma tendência à padronização. A influência da globalização tem forte impacto sobre a diversidade cultural mundial. O mundo não fala apenas inglês. É preciso que os brasileiros conheçam e tenham contato com outras culturas e idiomas. Por isso, o CEA está muito feliz e honrado com o acordo de cooperação que assinamos hoje com a Embaixada do Cazaquistão”, complementa. Já o pesquisador e fundador do CEA-UFF Mateus Nascimento destacou: “O continente asiático tem grande importância no mundo e é preciso expandir conhecimento sobre esta região no Brasil. Isso faz parte de nossa missão no CEA desde 2018. Estamos irmanados com as representações diplomáticas do Cazaquistão neste objetivo”.
Sobra futuras parcerias entre a UFF e as representações diplomáticas do Cazaquistão, o professor Américo ressalta: “É o primeiro evento deste nível em uma universidade pública no Brasil. Tivemos um outro realizado online há pouco tempo na Universidade de Brasília (UNB). A homenagem a este pensador, assim como a assinatura de um acordo, um memorando de cooperação entre a Embaixada e o CEA-UFF, permite estarmos nos próximos dois anos desenvolvendo atividades dentro da UFF, tanto de língua quanto de cultural cazaque. Estamos pensando em várias coisas que vão desde um curso do idioma a trabalhos com literatura, música, cinema e outros. Até tivemos nestes últimos dias uma conversa com a Secretaria de Cultura de Niterói para avaliar projetos para museu. Então, as iniciativas estão caminhando. Aliás, outro memorando deve ser assinado com a Secretaria de Cultura”.
Sobre planos futuro, o embaixador Nussupov destacou que a Embaixada almeja auxiliar em projetos futuros para a promoção da cultura e da língua cazaque e até de outros países da Ásia Central como o Quirquistão. Concretamente estão na agenda do embaixador a inauguração de uma Associação/Sociedade Cazaque em Brasília. O Rio já conta com a Sala de Leitura Abai Qunanbayuly, na Biblioteca Popular Annita Porto Martins, inaugurada em 2020, em razão da 175º aniversário do pensador, filósofo, fundador da literatura escrita em cazaque. A biblioteca leva o nome da avó do empresário e atualmente cônsul honorário do Cazaquistão no Rio Aloysio Maria Teixeira Filho.
Segundo ele, para além de sua importância geopolítica estratégica, o país da Ásia Central é um exemplo ao mundo: “Em tempos turbulentos e em uma região conturbada, o Cazaquistão é um modelo de paz. Não interessa quem inicia os conflitos, é preciso buscar um caminho para o fim das guerras. Esta tem sido a postura do Cazaquistão. Portanto, é uma grande oportunidade e honra que recebi em ajudar a promover uma aproximação da cidade do Rio e seus habitantes com a cultura cazaque”.
Deixe seu comentário