
O ressurgimento do continente asiático como um centro econômico e político importante para o cenário global levou com que a influência cultural de alguns países da região aumentasse consideravelmente em comparação com as décadas passadas. As diversas mudanças e oportunidades com esta nova configuração mundial fez com que muitos brasileiros procurassem aprender idiomas da Ásia como o coreano, o chinês e o japonês. Ao levar em conta esta realidade, o Instituto Kyoto (clique aqui), localizado em Campo Grande, Rio de Janeiro, busca promover a qualificação no aprendizado da língua destes países da Ásia, em especial para bairros da cidade do Rio que têm pouco acesso, ou quase nenhuma opção de estudo nestas áreas.
“No Instituto Kyoto, reconhecemos a importância crescente da Ásia. Países como a China, o Japão e a Coreia do Sul estão se destacando no cenário econômico global, mesmo com os desafios presentes e a necessidade de se reconstruírem após conflitos passados. Esses países, cujas culturas os brasileiros não prestavam tanta atenção no passado, hoje são respeitadas e admiradas por aqui”, relatou o cofundador do Kyoto, Alex Martins de Castro. Conforme ele, a interconexão cultural é de extrema importância e o Instituto tem a missão de aproximar culturas e ajudar a concretizar sonhos por meio do ensino de idiomas.
“Aprender uma língua fundamentalmente diferente do português pode parecer um desafio à primeira vista. No entanto, com uma abordagem pedagógica adequada, o aprendizado torna-se bem mais palpável. Atualmente, estudos demonstram que a combinação de estímulos visuais e auditivos se revela mais eficaz do que a leitura isolada. Além disso, sabemos que a ligação com informações já assimiladas facilita a memorização. Esse é o caso dos mnemônicos, estratégias valiosas para memorizar caracteres chineses, japoneses e coreanos. Para reter o aprendizado a longo prazo, a técnica de repetição espaçada se mostra uma poderosa aliada. Trata-se de um método comprovado pela ciência, que ajuda a reter a informação por mais tempo”, explicou Castro.

Nesta linha, em uma parceria com o Instituto Kyoto, a Revista Intertelas conversou com a professora Anna Martel, formada pelo Centro de Língua e Cultura Coreana da Hankuk University of Foreign Studies (HUFS) e pela Universidade de São Paulo (USP) em Letras – Coreano, sobre o desafio de aprender este idioma no Brasil. Como muitos da sua geração, Martel entrou em contato com a cultura sul-coreana através do K-POP, em uma época que nem pensava em ensinar o coreano.
Depois de ter trancado o curso de arquitetura, ela permaneceu um tempo pensando no que fazer. Foi quando uma amiga a convidou para inscrever-se em um curso de extensão do Instituto Sejong na Unicamp que ela encontrou sua verdadeira vocação, chegando a ir à Coreia para estudar. O coreano, segundo a professora, diferente de outros idiomas que são igualmente muito diferentes do português, tem peculiaridades muito distintas, interessantes e belas.
A professora explica que a história da língua coreana começa efetivamente com a criação do alfabeto denominado de Hangul, formulado por uma das figuras mais importantes da história da Coreia: o Rei Sejong.
Os idiomas de Coreia e China: uma relação histórica milenar
Ainda sobre a história do idioma coreano, é preciso destacar a grande influência que tem do chinês, idioma do país vizinho da Coreia e cujas relações históricas datam de milênios. Muito além das vertentes político-filosóficas, como o Confucionismo, e a posição central que a China teve no passado com a antiga Rota da Seda, os dois países têm uma conexão profunda e histórica no que diz respeito a seus idiomas. “Quase 60% do vocabulário coreano é proveniente do chinês. Lembro dos meus anos de faculdade na Coreia, em que meus colegas chineses tinham vantagens, porque muitas palavras eram extremamente fáceis para eles gravarem na memória”, contou a professora.
De acordo com ela, a proximidade da fronteira resulta nesta grande influência linguística. “A influência chinesa não está apenas no vocabulário. No coreano há dois sistemas numéricos que precisam ser aprendidos, um deles é totalmente chinês. Os dias da semana também são de origem chinesa. Além disso, muitas regras gramaticais também têm relação com o chinês, como a impossibilidade de formular palavras compostas, ou seja de origem chinesa e coreana. No coreano, ou você usa palavras apenas de origem chinesa, ou apenas de origem nativa, coreana. Misturar os dois é gramaticalmente incorreto”, exemplificou Martel.

Os desafios que os falantes do português enfrentam para aprender o coreano
Complexo como a sua história, estudar e aprender o coreano é uma trajetória longa, cheia de desafios, porém que compensa muito. Para aqueles que almejam se aventurar pelos estudos da língua coreana, Martel listas alguns desafios que todo aluno falante do português irá enfrentar.
Quando se fala de desafios para aprender o coreano, é preciso incluir os problemas do mercado de ensino. Segundo Martel, além da cultura e da língua coreana estarem mais distante para os brasileiros que vivem fora dos grandes centros, faltam profissionais qualificados. Conforme a professora, o curso de coreano para formar professores só existe atualmente na USP, que abre vagas para apenas 15 novos docentes todo ano. “Em outras cidades, é possível encontrar pessoas que sabem falar o coreano, mas não estão habilitadas para ensinar. Para tanto, é preciso ter uma formação pedagógica”, disse a professora.
Com a falta de professores qualificados, consequentemente, existe a falta de mais cursos. Contudo, o governo sul-coreano, na opinião de Martel, vem realizando um bom trabalho de cooperação na área da educação para tentar preencher estes gargalos. “No Brasil, o pessoal do consulado, da embaixada da Coreia do Sul promovem workshops, eventos e tantas outras iniciativas que visam capacitar os profissionais do ensino do coreano. No entanto, o governo coreano poderia aproveitar o seu sistema de classificação para professores do coreano como língua estrangeira, no intuito de realizar mais cursos focando naquele pessoal que tem um conhecimento bom do idioma, mas não tem qualificação para lecionar. Isso iria aumentar o quadro de professores necessário atualmente. Outra questão é a prova de proficiência, o Topik, que não é amplamente aceito no mercado”, disse Martel.
A professora também comentou as iniciativas que o Brasil poderia ter para, em conjunto com a Coreia, ampliar e melhorar o mercado de ensino coreano no país. “Outras universidades públicas brasileiras poderiam abrir concursos novos para mais professores serem contratados, assim como abrir outros cursos voltados para o aprendizado da língua”, salientou.
De acordo com Martel, a distância geográfica, assim como a cultural entre o Brasil e a Coreia, pode ser um empecilho para o estudante. Com exceção de São Paulo, não há uma comunidade coreana expressiva em outras partes do país e, portanto, não há opções culturais que possam ajudar como restaurantes, centros culturais, eventos em geral onde se possa ter um ambiente para treinar no dia a dia. Assim, a internet torna-se uma grande aliada, assim como os eletrônicos que permanecem perto do aluno o dia todo.
“Minha dica inicial é: pega seu celular e muda o idioma para coreano. Primeiro, você não vai entender nada, mas não se desespere. Com o tempo, vai começar a gravar as palavras e o conteúdo. Quando perceber, já memorizou muitas palavras. Outra dica são os materiais online de sites de instituições oficiais, assim como aplicativos de flashcards (cartões de memória) e de conversação em que o aluno pode se comunicar com nativos da Coreia que desejam aprender o português. Consumir mídia também ajuda muito a fixar vocabulário, principalmente os programas de variedades de grupos de K-POP. Eles são ótimos para quem está aprendendo, porque é possível ter acesso a gírias e outras palavras do cotidiano”, explicou.

O coreano chama atenção das gerações mais velhas
Ao contrário do que se pensa, não são apenas os mais jovens, ou os fãs de K-POP, que se interessam em aprender o coreano. A professora Martel já teve alunos com outros interesses que englobavam desde um simples hobby de aprender um idioma diferente ao objetivo de trabalhar em uma empresa coreana, ou conseguir uma bolsa de mestrado, ou de doutorado. É preciso lembrar que a Coreia é considerada hoje em dia um polo tecnológico e cientifico que atrai muitos profissionais dessas áreas.
“Uma vez tive um aluno de mais de 50 anos que tinha o hobby de aprender línguas. Eu acho que ele estudava mais de 20 idiomas ao mesmo tempo. Ele queria, principalmente, treinar a capacidade cognitiva dele, a sua memória. Então, nós trabalhávamos muito vocabulário e fazíamos muita aula focada na oralidade, justamente para ele poder realizar o exercício mental de reorganizar as frases”, relembrou.
Outra aluna sua, uma pesquisadora na área da química, queria uma bolsa de doutorado do governo sul-coreano, o que comprova que as empresas da Coreia hoje podem oferecer oportunidades de emprego e até uma carreira para os brasileiros. “Eles necessitam de pessoal capacitado. E, para conseguir uma vaga, é um grande diferencial saber coreano.”, enfatizou Martel.
Por fim, o turismo também se tornou um dos motivos pelos quais as pessoas procuram aprender o coreano, nem que seja apenas o básico. “Hoje em dia, muitos têm como destino turístico a Coreia. Lá é muito difícil você encontrar quem fale inglês de forma fluente. Então, um conhecimento básico de coreano pode ser muito útil para quem deseja mergulhar por alguns dias na cultura e na história da Coreia, bebendo diretamente da fonte”, salientou.
A tradução literária e a inteligência artificial
A conversa com a professora Martel nos levou até os caminhos tortuosos da tradução literária. Hoje uma grande discussão é levantada sobre quão necessária será a função do tradutor em um mundo onde a inteligência artificial parece poder preencher estes espaços. Como tradutora do coreano para o português, Anna Martel salientou que a tradução literária é um trabalho com peculiaridades que dificilmente pode ser feito por máquinas.
“A inteligência artificial não tem condição nenhuma de fazer tradução de textos literários. Inclusive, na USP, temos muitos workshops de tradução de literatura coreana. As traduções sempre são muito difíceis. Temos ainda um grupo de estudo para discutir qual é a tradução mais adequada para cada obra. Traduzimos um capítulo por semana. Trata-se de um processo muito intenso traduzir uma palavra que não existe na nossa língua e que tem todo um contexto social, cultural e histórico por trás. Sem falar, que em qualquer tradução, você já tem uma perda. Há perda talvez de nuances, ou de certas conotações que só fazem sentido naquele contexto social, para aquela população, aquela cultura”, detalhou.
As vantagens de estudar no Instituto Kyoto
Ao fim de nossa conversa, a professora Martel também apontou o diferencial do Instituto Kyoto no ensino do coreano. Segundo ela, mesmo que no século XXI existam as plataformas online com conteúdo gravado, nada substituí a importância do contato entre professor e aluno, do ensino personalizado, mesmo que seja pela via online. Afinal, o aprendizado de um idioma só se torna fluente quando é possível ler, entender, falar e escrever naquela língua.
Texto por Alessandra Scangarelli Brites – jornalista, especialista em política internacional e Editora da Revista Intertelas
Edição dos vídeos por Mariana Scangarelli Brites – publicitária e designer da Revista Intertelas
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