
A França continua sendo uma das ex-potências coloniais mais presente no continente africano neste início do século XXI. Isso se deve a vários fatos, entre os quais os acordos de cooperação francesa estabelecidos no referendum organizado por General De Gaule, na véspera das independências africanas. Neste referendum, os africanos deveriam escolher entre uma independência dentro da cooperação francesa (sim), ou pela independência total (Non) escolhido somente por Guine Conakry (República da Guiné). Ou seja, toda África francesa optou pela cooperação, autonomia parcial, que determinava que os territórios seriam independentes, mas contariam com a França nas áreas de Defesa, Minas e Energias, Política Externa, Economia e Finanças, onde entra o franco CFA. Qual é a importância desta análise na atual conjuntura internacional? Quando foi criado e como funciona o FCFA?
A importância do Franco CFA na conjuntura internacional
O Brasil vem se aprofundando nos estudos e análises ligados ao continente africano. Neste sentido, pelo menos nos cursos de Graduação em Relações Internacionais é muito frequente encontrar estudantes e pesquisadores analisando os conflitos africanos. No entanto, a minha experiência nesta área na última década como acadêmico e pesquisador interessado no assunto mostrou que há questões históricas muito importantes como o FCFA, para a compreensão das várias problemáticas (social, econômica e política) africanas, que pouco são levadas em consideração. Portanto, este texto tem como objetivo chamar a atenção do leitor para fomentar o debate, numa perspectiva mais ampliada.
O segundo ponto que justifica a importância do FCFA é o fato do mesmo voltar a ocupar a agenda política dos países da zona do Franco (UEMOA-CEMAC). Nos últimos tempos, os jovens pan-Africanistas, como Kemi Seba originário do Benim, tem agitado a juventude da África e da diáspora, particularmente incomodando várias lideranças políticas. Além de ocupar a agenda da diplomacia francesa da África. Como o presidente do Senegal Macky Sall, não somente foi recebido com urgência na capital francesa, juntamente com seu colega Alassane Ouattara de Costa de Marfim, para tratar do tema, mas, mandou deportar o jovem para França em novembro de 2017. O ato foi julgado arbitrário por várias organizações de direitos humanos.
Assim, desde a crise econômica e financeira de 2008 assiste-se a uma fase conturbada das relações franco-africanas, que oscilam entre cooperação e conflitos, onde a cooperação significa o cumprimento dos acordos de defesa. Ou seja, celebrar a amizade tomando parte nos novos conflitos internos, através das famosas operações Lincorne (Costa de Marfim em 2009-2011), Serval, (Mali, desde de 2011), Serval (República Centro Africana a partir de 2013), e Barkane (nos países do Sahel desde 2014). No que tange aos conflitos, pouco se fala, mas, um dos mais complexo e tenso está ligada as zonas do Franco CFA constituídas pelos países francófonos da África ocidental (Benim, Burkina Faso, Costa de Marfim, Mali, Níger, Senegal e Togo, e Guiné Bissau desde 1987) e os da África Equatorial francesa (Chade, República Centro-africana, Congo Brazzaville, Gabão, Guine Equatorial, Santo Tomé e Príncipe).

Certamente, o leitor vai estranhar chamarmos de “cooperação” a relação que envolve guerra e conflito, ao invés das questões econômicas, financeiras e monetárias. Contudo, não é um erro! Neste caso, as intervenções militares são atos de cooperação, enquanto as reivindicações pelo fim do Franco CFA nos territórios africanos (antigas colônias francesas) sugere tanto a existência de conflitos entre governos e sociedade, quanto entre a ex-metrópole e governos e sociedades africanas defensores do fim do FCFA.
Criação e funcionamento do Franco CFA
A criação da moeda efetivou-se em um período de bastante perturbação marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e a intensificação das reivindicações para a independência das colônias. Foi exatamente no dia 26 de dezembro de 1945 que foi oficialmente criada a moeda denominada “Franco CFA”, que significa o Franco da colônia francesa da África (CFA), para circular tanto na África ocidental quanto equatorial francesa (AOF e AEF). Ou seja, a zona do franco ou Comunidade (colônia) Francesa da África correspondia aos países da AOF e AEF que atualmente se transformaram em União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) na África Ocidental e Comunidade Econômica Monetária da África Central (CEMAC), integrada por Camarões, Chade, Congo, Gabão, Guine Equatorial e República Centro Africana. Fernandes (FERNANDES, 2011) argumenta que o lançamento do Franco CFA para circular nas colônias francesas da África ocidental e Equatorial, que se fez ao mesmo tempo em que a França ratificava os acordos de Breton Woods, faz desta zona o exemplo mais antigo de cooperação financeira entre grupos de países menos desenvolvidos.
Em suma, apesar da criação da UEMOA ser reconhecida somente em 1994, pode-se afirmar que o sistema e a zona têm um funcionamento bem anterior a independência africana, obviamente depois deste período operaram-se mudanças entre as quais podemos citar a criação do Banco Central da África Ocidental-BCEAO em 1962, para substituir o instituto da emissão de moeda da AOF, que imperava até então, com a função de colocar em circulação novas moedas ou papel de crédito, sobre a garantia da França. Portanto, ao depender diretamente do tesouro francês, tendo uma paridade fixa com o franco francês, constitui, por isso, conforme as palavras de François Xavier Verschave (2004), outro meio de controle da metrópole em relação aos países africanos.
O CFA foi (certamente continua sendo) o meio de evasão de divisas dos países africanos em direção à metrópole durante longos anos, financiando campanhas eleitorais francesas, enquanto o funcionalismo público africano permanecia meses sem pagamento de salários (VERSCHAVE, 2005). Esta é uma realidade vigente nos países da zona do Franco CFA ainda hoje. Nesta ótica, até 1948, 1 Franco CFA era igual a 1,70 Franco Francês (FF) e devido à desvalorização do FF em 1948, 1FCFA passou a valer 2FF. Em 1958, com a instauração do novo Franco Francês, 1 FCFA passou a equivaler a 0,02FF e, em 1994, especificamente no dia 12 de janeiro, houve uma desvalorização brusca do FCFA de 50%, passando de 0,02FF para 0,01FF. Esta desvalorização foi uma imposição da França aos países da zona com o aval das instituições do Breton Woods, Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (DIALLO, 2015; FERNANDES, 2011). Atualmente o tema está em pauta, pois cogita-se uma nova desvalorização da moeda no horizonte de 2020.

Deste modo, percebe-se que se o FCFA foi criado num momento conturbado, a criação da UEMOA também se deu num contexto sociopolítico e econômico problemático, pelo fim de Guerra Fria e depois da década perdida de 1980, onde a maioria dos países do continente passou por crises profundas, fazendo com que a França tivesse necessidade de criar novos parâmetros de relacionamento com os países da África francófona. Neste sentido, olhando a atual situação dos países da região oeste africana em agitação política (Mali, Senegal, Costa de Marfim), os movimentos da sociedade civil, bem como alguns meios de comunicações, defendendo o fim da era do Franco CFA, pode-se esperar um clima cada vez mais tenso entre França e seu “quadrado” africano, mas também uma maior polarização política interna.
Estas duas coisas tendem a influenciar as próximas eleições no Senegal e no Mali, com a possibilidade de desdobramentos violentos. Estas mudanças panorâmicas criaram condições para que no seio do sentimentalismo africano, comece a verificar-se um maior comprometimento e consciência da importância que representa a integração para o desenvolvimento, mas também do outro lado, a França tinha necessidade de criar novos parâmetros de relacionamento com os países da África ocidental em geral e particularmente da antiga África Ocidental Francesa (AOF).

Como mostra o mapa, entre os países membros somente a Guiné Bissau, que não fazia parte da África Ocidental Francesa, e por isto é o único país que teve de cumprir pré-requisitos de adesão que são entre outros: o abandono do Peso Guineense, a abertura do mercado e a liberalização da economia. Historicamente, a UEMOA existe a partir do final da década 1990 quando, ainda sete dos oito países membros formavam a África Ocidental Francesa (AOF), que seria designada, mais tarde, como Comunidade do Franco da África (CFA). Nesta ótica, pode-se afirmar que tanto a formação da AOF, quanto a da CFA, que são predecessoras da UEMOA, foi uma estratégia do governo colonial francês de estabelecer uma política monetária e comercial nas suas colônias para seu melhor controle. Portanto, procede a hipótese de que UEMOA, apesar de ser um órgão importante economicamente para a região, é meio de controle e de dominação francês na região. Um meio de continuação da política colonial em suas novas formas, conhecidas como o neocolonialismo francês.
A partir da entrada em vigor da moeda única europeia, em janeiro de 1999, a paridade do franco CFA foi fixado com o euro e 1 euro equivale a 665. Esta breve história da evolução das relações entre a moeda francesa e europeia com o FCFA mostra claramente que independentemente dos benéficos, ou sucesso da União Econômica e Monetária Oeste africana, do ponto de vista econômico e/ou político, a realidade é que ela é uma herança colonial. Assim, como tal, constitui ainda um meio de controle e de ligação entre a ex- metrópole e suas ex colônias e consequentemente cria certa divisão entre os africanos da região, dificultando, ou postergando, a possibilidade da criação de uma moeda única no âmbito regional.
A União Econômica e Monetária (UEM) é um dos tipos de integração, considerado por vários autores (TORRES, 1993; FERNANDES, 2011; NDLOVU, 2008) como a etapa mais avançada, e caracteriza-se principalmente pela existência de uma moeda única condicionando a integração de políticas econômicas no âmbito da região. A UEM constitui a etapa mais avançada e complexa do processo de integração e implica a existência de uma moeda única e uma política monetária comum, conduzida por um Banco Central Comunitário. Segundo Coimbra (2001), a Integração Monetária (IM) é entendida como um conjunto de moedas com conversão a uma paridade absolutamente fixa e dotada de credibilidade, no que à manutenção daquela paridade diz respeito (COIMBRA, 2001).

A integração monetária significa abrir mão da utilização das políticas monetária e cambial para fins nacionais (SALL, 2006); e a união monetária é um tipo de acordo onde os países participantes abrem mão dos ganhos relativos à senhoriagem derivada da emissão da moeda nacional por uma moeda regional comum de livre circulação para todos esses países, emitida por autoridade regional. Como é o caso do Euro relativamente à maioria dos países da União Europeia e o Franco CFA para os países da UEMOA (FERNANDES, 2011). Na opinião deste autor, a União Econômica e Monetária fundamenta-se na existência de vários Estados, de políticas econômicas concentradas, de uma moeda única e de um banco central comum que detém o poder de emitir a moeda.
Com base nestes conceitos, pode se afirmar que a África ocidental além da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) como uma organização de integração econômica possui, entre as variedades de organizações de integração, uma organização de integração monetária consolidada e uma em fase de constituição. A primeira refere-se à União Econômica e Monetária Oeste Africano (UEMOA), criada em 1994 e contempla os países de colônia francesa; já a segunda é formada por países anglófonos, em fase de criação, a Zona Monetária Oeste Africana (ZEMOA), que foi cunhado desde 2002. Enquanto a UEMOA é constituída por oito dos dezesseis países da CEDEAO, que são nomeadamente: Benin, Burkina Faso, Costa de Marfim, Guine Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo; ZEMAO é formada por cinco países da CEDEAO que são Gâmbia, Guiné Gana, Libéria e Nigéria.

A criação da UEMOA entra na perspectiva do que se chamou anteriormente de integração vertical, onde os países africanos buscaram uma maior aproximação com os antigos colonizadores em geral e particularmente com a França. Torres (1993) afirma que a hipótese da integração vertical refere-se à associação da Comunidade Europeia como continente africano e tem como ponto de partida a aprovação em 1991 entre o governo francês e os países da zona do Franco CFA à ideia de transformação da mesma numa verdadeira União Econômica e Monetária e em um Mercado Único.
Nesta integração ou relação vertical, a França e os países da zona do franco criam uma organização de integração numa perspectiva mais ampliada. Ou seja, reconstrói o império francês, já que é uma integração que inclua a França, as nações francófonas do continente, mais o conjunto da CE e dos países da África ocidental e austral, em primeiro momento, e da África Central e Oriental, em um segundo momento. Os países da África do Norte poderão ser incluídos também. Portanto, apesar da importância da UEMOA na integração oeste africana, não se deve perder de vista as condições históricas e os verdadeiros motivos da sua criação, se realmente é almejado identificar os pontos de incongruência entre a integração econômica e monetária com a integração econômica regional e continental.

É nesta perspectiva que o questionamento e a contestação do Franco CFA, vem intensificando-se nos últimos anos através das vozes dos novos adeptos e defensores do pan-africanismo espalhados através do continente e do mundo. Esta mobilização parece apresentar os primeiros resultados com o anúncio da criação de uma moeda africana em dezembro de 2018. Segundo André Adaisso (2017), existe um ambicioso plano para fazer desaparecer o Franco CFA a partir do fim deste ano. Este plano prevê a criação de uma zona monetária, que agruparia os atuais quatorze países que usam o FCFA, a Guine Conakry e criaria um Banco Central denominado Central Bank of Africa (CBA), com base na fusão dos atuais Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e o Banco dos Estados da África Central (BEAC).

O CBA será autônomo e centralizará as reservas de troca (papel assumido pela França no CFA), não terá mais um país com direito de veto como é o caso da França e a nova moeda será equiparada ao dólar americano inicialmente. A nota máxima será 100, diferentemente com o FCFa onde encontramos notas de valor de dez mil. Para garantir a estabilidade da nova moeda, o plano prevê o uso dos 50% das receitas externas atualmente pago ao Tesouro Francês para garantir a paridade fixa do FCFA com o Euro, através de investimentos exclusivamente industriais. Ainda segundo este plano, a nova moeda permitirá o estabelecimento de uma política de desenvolvimento e de industrialização comum e cada país terá uma dotação monetária equivalente ao total de suas exportações, seus empréstimos e doações internacionais (ADAISSO, 2017). Enfim, se este plano será concretizado, somente o tempo dirá, mas este movimento mostra a necessidade de “reafricanizar” a África e principalmente romper os laços coloniais que mantém o continente num ciclo vicioso de dependência e de empobrecimento.
Considerações finais
A reflexão analisou as relações franco-africanas a partir da integração econômica e monetária da África Ocidental (UEMOA), para chamar a atenção sobre a importância de um dos pilares do neocolonialismo francês no continente. A descrição histórica do Franco CFA mostra que esta moeda foi criada para manter a dependência econômica e monetária dos territórios franceses da África num contexto conturbado da política internacional (fim da Segunda Guerra Mundial), assim como se deu a sua reformulação no período pós-Guerra Fria, atravé da criação da UEMOA.
Igualmente se destacou que contrariamente ao que se pensa, as intervenções (militares) da França nos últimos anos no continente são manifestações da cooperação francesa, enquanto os debates em torno do Franco CFA constituem um tema conflitoso tanto do ponto vista interno, quanto em relação a França. No entanto, parece que a nova onda de contestação da moeda liderada pelos jovens pan-africanistas e Kemi Seba que protestou queimando simbolicamente uma nota do franco CFA em Dakar, valendo a sua deportação, deu o ponta pé a um novo capítulo desta relação franco-africana. Fato que, certamente, marcará os debates políticos, mas também diplônticos dos países da zona do Franco CFA.
Mamadou Alpha Diallo
Professor do curso de Relações Internacionais e Integração da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (UNILA) e Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador associado ao Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA). Coordenado do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira e Relações Internacionais (GTF/UNILA). Possui Mestrado em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e é graduado em Administração pela PUC/RS.
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