Renúncia do presidente do Cazaquistão: possíveis causas e consequências

O ex-presidente Nursultan Nazarbayev. Crédito: Financial Times.

No dia 20 de março de 2019, o então presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev renunciou após quase trinta anos no posto de chefe de Estado. Ele foi até o momento o único presidente da República Cazaque, país da Ásia Central que obteve sua independência em 1991, após a dissolução da União Soviética (URSS). Diante do fato, é interessante buscar entender o que está por trás desse ato político e traçar algumas considerações ainda preliminares sobre os possíveis desdobramentos para o país e para a geopolítica da Ásia Central.

Nazarbayev completará 79 anos ainda em 2019, e a necessidade de renovar o quadro político dirigente do país foi ressaltado em seu pronunciamento oficial. “Cada geração deve resolver os problemas de seu tempo”, afirmou o ex-presidente em seu discurso. Apesar disso, ele não abandonará a vida pública: permanecerá como membro do Conselho de Segurança da República, do Conselho Constitucional, e manterá sua posição no principal partido nacional, o Nur Otan (“Luz da Pátria”, em cazaque). De acordo com a constituição local, o atual presidente do Senado, Kasym-Jomart Tokayev assume a presidência até o término do atual mandato em 2020.

A questão da idade de fato é relevante, ainda mais tendo em mente que um dos problemas mais comuns na história de países da região, inclusive a da própria Rússia, é a questão da sucessão política. Enquanto a antiga URSS enfrentou esse problema em praticamente todas as transições, gerando incertezas e intensa disputa política nos bastidores, outra vizinha, a China, teve mais êxito ao formular um sistema de renovação de quadros de forma periódica e mais previsível, e que tem funcionado de forma razoável nas últimas décadas.

A grande questão para Nazarbayev é a manutenção da orientação geral do conjunto de políticas em curso. É bastante provável que a decisão de anunciar sua saída tenha sido feita após se certificar que haverá continuidade na política atual. Isso parece fazer sentido uma vez que Nazarbayev ainda manterá sua posição em uma série de instâncias de comando daquele País, tornando-se uma espécie de eminência parda.

Kasym-Zhomart Tokayev. Crédito: The Qazaq Times.

Tokayev, por sua vez, tem afirmado a intenção de manter as linhas gerais básicas das políticas do Cazaquistão: manutenção e estreitamento dos vínculos multifacetados com a Rússia, inclusive no aprofundamento dos esquemas de integração regional liderados pela Rússia- União Eurasiana, e Organização do Tratado de Segurança Coletiva. Mas, também na continuidade da interação econômica com a China e parceiros econômicos.

O presidente da Rússia Vladimir Putin e o ex-presidente Nursultan Nazarbayev. Crédito: The Qazaq Times.

De forma simbólica, o novo presidente renomeou a capital Astaná (que em cazaque significa “A Capital” e, tal qual Brasília, foi construída na era pós soviética para abrigar a sede do governo nacional) para Nur-Sultan, em evidente homenagem a Nazarbayev e com a mensagem política clara de manter ou aprofundar o curso político de seu antecessor. Cabe ressaltar que a posição do Cazaquistão – um país sem saída direta para o mar e localizado no centro da Eurásia – reduz as escolhas geopolíticas do país.

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As relações com a Rússia permanecem centrais não apenas dadas as conexões históricas, mas devido à existência de importante infraestrutura de transporte por onde são escoadas grande parte das exportações cazaques. Vale lembrar que o Cazaquistão é membro de uma união aduaneira com a própria Rússia e com outros países da região. Além disso, o país apresenta uma estrutura econômica altamente integrada à Rússia, da qual importa equipamentos, materiais e até mesmo bens de consumo não duráveis.

A questão cultural-linguística é um fator adicional para que ambos os países mantenham laços fortes: o idioma russo mantém o status de oficial do lado cazaque e, além disso, é a língua franca entre as diversas nacionalidades que habitam o território do país centro-asiático. Por outro lado, a China tem buscado desenvolver sua própria rede de comunicações que integram a chamada Nova Rota da Seda.

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Este projeto já inaugurou um sistema ferroviário entre a própria China e a Europa Ocidental, e que pode beneficiar o Cazaquistão como rota comercial entre esses dois grandes polos da economia global. Ademais, a China tem sido importante fonte de investimentos diretos e um grande parceiro comercial para o Cazaquistão, o que imprime uma lógica na necessidade de continuar e diversificar essa parceria. Já os EUA têm buscado aumentar sua influência econômica e política em toda a Ásia Central, ao mesmo tempo em que tenta reduzir a influência da Rússia e da China e, ainda, usar os países dessa região como forma de instigar disputas e intrigas entre Pequim e Moscou.

Ex-presidente do Cazaquistão Nursultan Nazarbayev e o presidente da China Xi Jingping. Crédito: Greg Baker-Pool/Getty Images/ Foreign Policy.

É interessante notar que as relações entre Washington e Astaná são significativamente bastante cordiais, mesmo que Nazarbayev tenha sido um dos principais – senão o principal – patrocinador das iniciativas de integração eurasiática e que as relações econômicas entre EUA e o Cazaquistão sejam bem menos significativas. Apesar da política externa bastante peculiar de Trump, nota-se um viés de continuidade desde a era Bush, no sentido de manter linhas diversificadas de diálogo entre os dois países.

O ex-presidente do Cazaquistão Nursultan Nazarbayev e o presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Crédito: Zimbio.

Além de ter obtido significativo sucesso em sua política externa, com a manutenção de laços prolíficos com as grandes potências mundiais, o Cazaquistão logrou uma posição de líder dentro da Ásia Central, em detrimento do Uzbequistão, país mais populoso da região. Desde o final da era soviética, o Cazaquistão conseguiu transmitir uma imagem de estabilidade e receptividade, o que tem agradado bastante a investidores, sejam eles russos, chineses, americanos ou europeus.

O país tomou um rumo diferente do Turcomenistão (que permaneceu bastante isolado por muito tempo), do Tajiquistão (envolto em guerra civil na década de 1990 e desde então permanece instável, inclusive com ativismo de grupos religiosos extremistas internacionais), do Quirguistão (alvo de uma tentativa frustrada de Revolução Colorida nos anos 2000, e sob constante turbulência política) e do Uzbequistão (também sob turbulência política e com tensões interétnicas). No plano econômico, o Cazaquistão foi uma das ex-repúblicas soviéticas com melhor desempenho.

Assim como as demais repúblicas centro-asiáticas, o Cazaquistão era menos desenvolvido em comparação com as repúblicas eslavas e bálticas da União Soviética. Atualmente, o país apresenta produto per capita muito superior ao da Ucrânia e mesmo ao da Bielorrússia, ainda que a desigualdade econômica tenha aumentado e a economia do país ter avançado com base na exploração de recursos naturais, sobretudo recursos energéticos e mineração.

Em anos recentes, a economia sofreu com a depreciação dos preços internacionais do petróleo e de outros insumos energéticos e, conjunturalmente, com a eclosão da crise ucraniana a partir de 2014. O governo cazaque empreendeu algumas reformas econômicas, nas quais se situam algumas privatizações, aumento do investimento estatal em infraestrutura e desvalorização cambial, com resultado postivo entre 2016 e 2017. Voltemos ao ponto inicial do texto. Dados os avanços no front da política externa e mesmo na política econômica, é pouco provável que se registrem grandes mudanças na condução da política cazaque ao menos no futuro próximo.

É pouco provável, também, que haja mudanças radicais nas eleições de 2020, com a provável manutenção do predomínio do partido de Nazarbayev. Contudo, é evidentemente possível que a nova geração a assumir o poder busque empreender alterações no rumo da economia do país, como a redução da dependência das exportações de commodities, a ampliação dos vínculos econômicos com outros países centro-asiáticos e a promoção da estabilidade e do progresso econômico na região, o que poderá contribuir para a solidificar a liderança cazaque na Ásia Central.

Bruno Mariotto Jubran
Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS). Analista Pesquisador da Secretaria de Planejamento, Orçamento Gestão do Rio Grande do Sul (SEPLAG /RS)

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