
Nos dias 30 e 31 de agosto, a programação do Festival Tesouros do Japão, que ocorre no Village Mall, avenida das Américas 3900 no Rio de Janeiro, traz ao público local o Simpósio de Estudos Japoneses que abordará diversas temáticas históricas, culturais e de política externa do país asiático. Em uma iniciativa conjunta entre dois grupos especializados em estudos da Ásia organizou-se uma mesa que vai abordar especificamente a questão “Anime e Audiovisual Asiático”. São eles o Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea (MidiÁsia) que reúne pesquisadores interessados em explorar questões relativas ao desenvolvimento da mídia no contexto dos países asiáticos e seu impacto global; e o AnimaMídia que visa entender, contextualizar e problematizar o universo dos desenhos animados em suas mais variadas formas de exibição e circulação.
Para compreender melhor esta linha de pesquisa a Revista Intertelas contatou a pesquisadora Mayara Araujo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF) e Mestre em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A também pesquisadora do MidiÁsia escreveu o artigo “Rumo a um Japão Multiétnico? para esta publicação. Em entrevista para a Intertelas, ela contou como a sua curiosidade sobre o Japão e a produção audiovisual japonesa deram inicio a sua carreira de estudos e ainda analisa em específico o impacto e os problemas atuais dos chamados doramas para a promoção do país no exterior e no Brasil.
Como a cultura japonesa entrou na sua vida e o que ela transformou?
Eu tive meu primeiro contato com a cultura japonesa a partir de Pokémon, quando foi transmitido na TV em 1999. Desde então, passei a me interessar por outros animês e, eventualmente, esse meu interesse de infância foi se transformando e amadurecendo: acabei procurando um curso de japonês, culinária, turismo e, por fim, utilizar essa afinidade como objeto de estudo no mestrado. A meu ver, ter a possibilidade de pesquisar elementos da cultura japonesa academicamente foi a maior transformação que essa preferência me proporcionou, visto que eu consegui fazer disso um trabalho.
Como você avalia o mercado de doramas dentro e fora do Japão?
Fora do Japão e da Ásia, o mercado é praticamente inexistente. A maior forma de consumo é através da comunidade de fãs da cultura pop japonesa que legendam e distribuem esse conteúdo por conta própria. Há algumas iniciativas de parcerias entre as redes televisivas japonesas e plataformas de streaming, como é o caso da TV Fuji com a Netflix. Além de licenciar animês, agora também é possível assistir dramas de TV japoneses pela plataforma. Mas o mais interessante, a meu ver, são os doramas co-produzidos pelas duas companhias, que gerou conteúdo de sucesso como “Good Morning Call” e “Erased”. Talvez um dos motivos de certo “apagamento” dos doramas frente aos K-dramas (dramas de TV sul-coreanos) seja uma possível necessidade japonesa em dialogar somente entre seus pares.

Enquanto a estratégia da Coreia do Sul em relação a sua indústria midiática consistiu em buscar elementos em comum entre os países de seu entorno regional ou com o ocidente, o Japão insiste em produzir conteúdo visando especificamente o mercado doméstico. O próprio Ota Toru, produtor da Fuji TV e um dos criadores dos “trendy dramas” (o formato que consumimos atualmente e que foi emulado pela Coreia do Sul, por exemplo) chegou a afirmar que a estratégia consistia em atingir o mercado interno.

Qual o impacto dos doramas japoneses no Brasil, levando em conta que é o país com maior comunidade de japoneses fora do Japão?
Eu diria que bastante incipiente. Apesar de termos a maior colônia japonesa do mundo, a circulação dos doramas no Brasil acabou sendo ofuscada pelos animês e tokusatsus (filmes ou séries live-action que fazem um uso forte de efeitos especiais) que vêm preenchendo horários de nossas grades televisivas desde a década de 1970, mais ou menos. Inicialmente, os doramas acabaram ficando restritos ao circuito dos fãs dos animês, que acabavam se interessando por outros conteúdos japoneses e legendavam e distribuíam na Internet.
No início dos anos 2000 também havia o comércio pirata de doramas em alguns bairros em São Paulo (onde se concentra uma grande quantidade de descendentes de japoneses), mas, de forma geral, o circuito ficou vinculado às plataformas digitais. No Brasil, tivemos pouquíssimas oportunidades nas quais os doramas foram exibidos em nossas redes de televisão, sendo que o mais recente foi o dorama “Dear Sister”, que foi transmitido em 2017 na TV local E-Paraná. Sem dúvida, não houve esforços para popularizar o formato.

Acredita que os doramas promovem ou instigam debates e transformações sociais?
Sem dúvida. Muitos dos dramas japoneses que circulam dialogam com questões delicadas, como xenofobia no Japão, a questão do trabalho x maternidade e excesso de horas extras trabalhadas. É claro que precisaria de mais pesquisas e aprofundamento nesse ponto para afirmar que essas temáticas acarretam em transformações sociais, mas me parece evidente que certos questionamentos são lançados.
Acha que os doramas são uma ferramenta que o Japão usa para promover a cultura e a economia do país no exterior?
Quando a gente pensa na realidade brasileira ou latino-americana é perceptível o quanto sabemos poucos sobre esse formato televisivo. As estratégias de difusão de cultura e desenvolvimento do soft power japonês são completamente ancoradas nas animações e em elementos mais tradicionais de sua cultura. Há autores que afirmam que a entrada de animês em países do leste e sudeste asiático é menos problemática, pois são “inodoros”, ou seja, não são etnicamente japoneses. Como o Japão tem um passado conturbado por conta de seu imperialismo, muitos países da região restringiram a entrada de conteúdo japonês por muitos anos. No entanto, desde a década de 1990, os trendy dramas obtiveram sucesso em alguns países e se tornaram referenciais de modernidade e estilo de vida para a juventude asiática. Eu diria, então, que não são os protagonistas, mas cumprem um papel.

O que acha que precisaria melhorar neste ramo?
A experiência sul-coreana em relação a difusão dos K-dramas globalmente é digna de nota. Até pouco tempo atrás, aqui no Brasil, nós mal ouvíamos falar da Coreia do Sul e hoje ela parece perpetuar no imaginário da camada jovem da sociedade. Alguns falam de hibridização do conteúdo, ou seja, tornar os K-dramas palatáveis para qualquer audiência. Talvez tenha sido um modelo de sucesso. Os doramas acabam sendo muito centrados na lógica japonesa, na realidade japonesa e em uma suposta forma de “ser japonês”. Me parece uma espécie de criação (involuntária) de soft power a partir da exclusão, de vender a ideia do exótico, do diferente e do “venha me decifrar” para atrair o público. Não sei até que ponto isso funciona.

E o Brasil como poderia refletir a presença dos doramas em seu mercado para seus objetivos de propagação da cultura brasileira e cooperação com o Japão?
O formato dos dramas de TV tem características que lembram as telenovelas brasileiras como, por exemplo, a presença do melodrama. De certa forma, são linguagens que dialogam. Em 2005, a Rede Bandeirantes e a NHK coproduziram “Haru e Natsu”: as cartas que não chegaram, uma minissérie que conta a história da imigração japonesa para o Brasil. Ela foi transmitida em 2008 no Brasil, no ano em que se comemorou o centenário da imigração japonesa, mas não houve grande visibilidade para essa coprodução.
Ainda assim, partindo do princípio de que caminhos alternativos à maciça presença estadunidense/ocidental vivem um momento de plena efervescência, as redes de televisão brasileiras poderiam dar mais atenção a conteúdos fora desse eixo para pensar as próprias produções televisivas e incentivar à busca por novos conteúdos. Os brasileiros são poucos representados nos doramas e são uma grande comunidade de estrangeiros no Japão. O mesmo ocorre com os japoneses e seus descendentes no Brasil.
É possível modificar está situação? Se sim, o que é preciso para modificar e como fazer?
De forma geral, os doramas não costumam apresentar muitos personagens estrangeiros. De fato, eu nunca assisti um dorama com um personagem brasileiro, apesar de já ter visto menções a brasileiros famosos. Em “Long Vacation”, por exemplo, o protagonista chama-se “Sena” e há diálogos em que ele é chamado de “Ayrton”. No caso das telenovelas brasileiras, há um enorme apagamento em relação aos japoneses e, quando são representados costumam ser interpretados por brasileiros sem parentesco com japoneses. Há iniciativas para promover a presença de artistas asiáticos na TV brasileira, como o coletivo Oriente-se, que pode ser uma ponte para diminuir esse apagamento. No caso japonês, desconheço iniciativas.
Programação Completa do Simpósio
30 de agosto
14h: Kimonos – Tipos e usos da vestimenta tradicional japonesa – Luiza Vieira
15h: A história dos samurais – Douglas Almeida
16h: Turismo ao Japão das quatro estações – Quickly Travel – JTB
17h: Anime e audiovisual asiático – Mesa de debates com Daniela Mazur, Mayara Araújo, Krystal Cortez, Luis Solha, Ariane Holzbach e Mateus Nascimento
19h: A meditação japonesa no Brasil: teoria & prática – Almir Menezes
31 de agosto
14h: Relações Brasil, Japão e Coreia do Sul: o papel midiático – Mesa de Debates com Daniel Pinna, Dionísio
15h: A história da imigração japonesa no Brasil – Erick Ciqueira
16h: As relações entre Europa e o Japão através da arte Nanban: a presença europeia dos portugueses no Japão – Jorge Leão
Inscrições prévias para o simpósio pelos emails: aloha@alohaeventos.com.br / gehja.cela.uff@gmail.com
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