Ken Loach na esquina da história: “Você não estava aqui” (2019)

Debbie Honeywood, Rhys Stone, Katie Proctor, e Kris Hitchen em “Voc~e não estava aqui” (2019), de Ken Loach. Crédito: IMDb.

O novo filme do veterano Ken Loach, “Você não estava aqui” (Sorry We Missed You) (2019), segue o mesmo tom de denúncia e urgência do seu longa (para cinema) anterior, “Eu, Daniel Blake” (2016). Tanto em “Eu, Daniel…” como em “Você não…”, o diretor aponta para a as mazelas de uma sociedade britânica (Européia na verdade, e porque não, mundial) cada vez mais desigual, que vai desarticulando progressivamente sua estrutura de serviços públicos, ao passo que a economia global desacelera assustadoramente, jogando a classe trabalhadora em novos “formatos” de engajamento laboral.

Crédito: IMDb.

Isso, em essência, significa uma violenta desregulamentação das leis trabalhistas, com a conseguinte e progressiva ausência de benefícios e direitos, diminuição da renda e exaustiva carga de trabalho. Toda a precarização que vem com as promessas do discurso fácil e pouco crível do empreendedorismo, acelerado pelas novas plataformas tecnológicas, é mostrada pedagogicamente pelo filme. E, como resultado, a fragilização social da família de Ricky (Kris Hitchen), operário da construção civil que enxerga em uma empresa de entregas a solução, ainda que arriscada, para a sua falta de trabalho.

Kris Hitchen interpreta Ricky em “Você não estava aqui” (2019), de Ken Loach. Crédito: IMDb.

Aliás, é a célula familiar e as ameaças de um mundo cada vez mais inóspito um dos grandes temas do diretor e seu roteirista de longa data, Paul Laverty, tratada em filmes como “À Procura de  Erick”, “Pão e Rosas”, entre outros. O olhar de Loach, aqui, está mais amargo – panfletário para alguns. Em pouquíssimos momentos do longa sentimos algum relaxamento dos personagens; na maior parte do tempo, eles correm contra o tempo –  em uma corrida que eles aparentemente não conseguem vencer –  sobretudo Ricky e sua esposa, Abbie (Debbie Honeywood), cuidadora de idosos “esquecidos” pelas suas respectivas famílias.

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Dentro da linguagem exercida pelo diretor, o filme não se preocupa em oferecer uma elaborada proposta cinematográfica. A estética de Loach aposta em uma câmera relativamente distante dos atores, em especial nas cenas abertas – todas as sequências que mostram o funcionamento do centro de distribuição e sua atividade frenética de vans, conferentes e motoristas são exemplares da cinematografia do diretor. Além disso, o uso de atores pouco conhecidos (ou mesmo amadores) confere um realismo único ao seu cinema.

Debbie Honeywood vive Abbie em “Você não estava aqui” (2019), de Ken Loach. Crédito: IMDb.

Sem o bom humor presente em outros projetos, o filme expressa um certo pessimismo, que se acentua na dolorosa sequencia final. Alguns cinéfilos acusam o cineasta de “cansativo”, autor de cinema árido de frescor e novas idéias. Outros, apontam para o seu cinema excessivamente “panfletário”… Ken Loach tem lado, nesta esquina cada vez mais crítica e preocupante da história. Não consigo enxergar qualidade melhor em um artista…

Fonte: texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema.
Link diretohttps://obecodocinema.wordpress.com/2020/03/04/ken-loach-na-esquina-da-historiavoce-nao-estava-aqui-2019/

Título: Você não estava aqui
País: Reino Unido, França e Bélgica
Direção: Ken Loach
Roteiristas: Paul Laverty 

Elenco:  Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone
Duração: 1h41min
Lançamento: 23 de outubro de 2019 (França)
Idioma: português

Assista a análise de Rene Guedes sobre o filme para o site 247

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por Anders Noren

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