
De todas as características que se poderia citar sobre o cinema produzido na China, talvez a que mais pode ser destacada é a sua complexidade. Não apenas é preciso destacar as diversas indústrias que integram a produção cinematográfica deste país, que vão de diferentes regiões do continente a Hong Kong, Macau e Taiwan, como também é notória a profundidade de suas narrativas e personagens. Trata-se uma realidade, com um contexto cultural, filosófico e histórico, que aos poucos vai sendo conhecida e compreendida no Brasil.
Por isso, nesta oportunidade, em parceria com a Revista do Instituto Confúcio da UNESP, serão apresentados mais três filmes que englobam tanto o universo do cinema comercial chinês, quanto de produções que, para além do entretenimento, buscam promover a arte e a reflexão. Contudo, na China, mesmo obras de grande orçamento também podem ter o propósito de instigar o espectador a pensar. Assim acontece com um dos grandes sucessos do diretor John Woo, lançado em duas partes nos anos de 2008 e 2009, o filme “A Batalha dos Três Reinos”.
Um épico de guerra, cujo enredo tem como base a histórica Batalha de Chibi (208-209 dC), que ocorreu durante o final da Dinastia Han, doze anos antes do período dos Três Reinos, na China antiga. Este foi um conflito entre forças aliadas do sul, que tiveram como líderes Liu Bei e Sun Quan, e as tropas do norte, comandadas por Cao Cao.
Estrelado por nomes de peso da interpretação chinesa Tony Leung Chiu Wai, Takeshi Kaneshiro, Zhang Fengyi, Chang Chen, Hu Jun, Lin Chi Ling e Zhao Wei, esta obra de Woo consegue entreter, emocionar, contar um episódio histórico importante da China e provocar o espectador com uma série de linhas filosóficas que abordam as estratégias para ganhar uma guerra, mas que também servem para o cotidiano. Uma superprodução que tem por base alguns elementos do pensamento chinês, repassados de uma forma que só o bom cinema consegue.
Da antiguidade passamos para a China do século XX, mais especificamente para o espaço de tempo na história que compreende de 1912 a 1949, quando o país torna-se uma república e ultrapassada um período de grande convulsão e transformação. É a época que os chineses encontram-se imersos na luta pela descolonização europeia do país, promovem a resistência contra à invasão japonesa e, posteriormente, ainda passam pela guerra civil.
Nesta época, nasceu e viveu uma das grandes escritoras da China Xiao Hong, que morreu cedo, com apenas 30 anos. Ao fugir de casa para evitar um casamento planejado, começa a sua jornada repleta de dificuldades e sofrimento. Porém, Xiao deixaria uma lista primorosa de obras literárias, de ensaios a romances, até uma autobiografia, que abordam a vida dos camponeses, em especial das mulheres, e deixam um retrato da China sob ocupação japonesa.
A história de Xiao é relatada em “The Golden Era” (2015), dirigido pela cineasta Ann Hui. Um trabalho primoroso, estrelado pela talentosa Wang Zhiwen, aclamado pela crítica e bastante premiado. São três horas de filme que nos mostram a dura realidade de uma geração de intelectuais que, em razão do contexto histórico, passou por provações imagináveis. Apesar de seus 30 anos, Xiao viveu de forma plena, convicta em seguir o seu caminho, tornando-se através de sua obra uma figura de extrema importância para seu país.
Por fim, na linha de tempo de nossas narrativas, chegamos na China dos anos 1960, com uma produção de Hong Kong, lançada em 1988 e dirigida por Alex Law e Mabel Cheung “Painted Faces”. Nesta obra cinematográfica, o público acompanha a história de Yu Jim Yuen, mestre da Academia de Drama da China, uma das principais escolas de ópera de Pequim em Hong Kong, e tutor de muitas estrelas do cinema como Jackie Chan, Sammo Kam Bo Hung, Biao Yuen, Corey Yuen, Wah Yuen, e que neste filme é interpretado por Sammo Hung.
Yu Jim trabalhou arduamente para manter vivo o interesse do público pela ópera chinesa, porém vê seus esforços serem aos poucos suplantados pela forte influência da cultura ocidental e do processo de modernização que desviam a atenção da sociedade para outras atrações como shows de rock e etc. De uma forma bastante sutil, este filme de forma delicada mostra as modificações sociais que ocorrem de uma geração para outra, com Yu Jim e seu método bastante duro de liderança perdendo protagonismo.

No entanto, ele deixou uma base artística muito sólida em seus discípulos que passaram posteriormente a atuar no cinema. Uma mensagem importante também é destacada nesta obra: é preciso preservar o patrimônio cultural local, independente do que venha ocorrer, pois nele permanece parte da identidade nacional e de ensinamentos que de uma forma, ou de outra, com seus lados positivo e negativo, servirão sempre de lição para o futuro.
Deixe seu comentário