“Maratona”: a resiliência de um autista em seu amor pelo esporte

“Maratona” (2005), dirigido por Jeong Yoon Cheol. Crédito: Asianwiki.

A mente humana é um local bastante misterioso e desconhecido, ainda que a ciência tenha evoluído tanto nos últimos séculos. Se já há dificuldade em saber o que pensam as pessoas em geral, o que dizer sobre àqueles que possuem alguma deficiência mental, diria o senso comum… Certamente, qualquer doença deste tipo é um desafio enorme para qualquer família, mas o autismo, transtorno que pode aparecer nos primeiros anos de vida de uma pessoa e compromete as habilidades de comunicação e interação social, faz com que se tenha ainda mais dificuldade de compreender o ser humano portador desta condição, excluindo-o, às vezes, por inteiro do convívio com as pessoas, em especial em culturas como a sul-coreana, onde doenças mentais pouco ainda são abordadas e debatidas como deveriam.

Contudo, existem particularidades que podem transformar a vida de um autista. “Maratona” (2005), dirigido por Yoon Chul Jeong, é um retrato das dificuldades que as famílias de um doente mental enfrenta, e também da forma de viver e pensar destes indivíduos peculiares. Da narrativa sutilmente elaborada e das interpretações, em especial do protagonista Cho Won, vivido por Cho Seung Woo, um dos atores mais talentosos de sua geração, percebe-se que há muito mais em uma pessoa com tais limitações, do que apenas a sua doença.

Cho Seung Woo vive o autista Cho Won em uma interpretação que consagrou a sua carreira. Crédito: Asianwiki.

Atenta-se para a forma especial com que pode estruturar a sua própria mente para viver e conectar-se com o mundo ao redor. No entanto, ao ter de estabelecer convivência com os não doentes pode acabar, infelizmente, também encontrando mais barreiras, em grande parte pela falta de tolerância e compreensão alheia, fazendo com que o quadro da doença até, em diversos casos, agrave. Contudo, se a paciência e empatia imperarem as transformações podem ser bastante positivas não apenas para o deficiente em si, mas para todos que interagem com ele.

Esta é uma possível reflexão que esta obra, baseada na vida real de Bae Hyeong Jin, um autista que completou uma corrida de maratona dentro de três horas e tornou-se o mais jovem sul-coreano a terminar um triatlo, busca impulsionar em seu público. A vida deste jovem é uma lição em si. Bae encontrou em vários momentos de sua vida barreiras impostas pelo preconceito, desde o pagamento de baixo salário em razão de sua doença aos interesses das empresas de usá-lo graças a fama que o filme proporcionou-lhe (algo que, ao menos para ele, teve consequências bastante doloridas como o stress causado pelo excesso de entrevistas e outros compromissos que passou a ter de cumprir).

Contudo, com a ajuda da mãe Park Mi Gyeong, o jovem acabou por encontrar saídas para as mais diversas dificuldades e hoje, inclusive, auxilia outros autistas a buscarem uma vida mais plena. Kim Mi Sook interpreta a mãe dedicada de Cho Won, Kyeong Sook. A relação mãe e filho é bem explorada pelo diretor, trazendo as complexidades de uma jovem que tem de superar a frustração de ter um filho autista – inclusive à vontade de abandoná-lo por acreditar não estar apta a lidar com a situação.

O desejo materno para que o filho torne-se um indivíduo independente e resoluto mistura-se muitas vezes com o sentimento de receio e constante limitações com que Kyeong precisa lidar. Entre elas estão o anular a si mesma e suas vontades particulares para dedicar-se quase que totalmente a Cho Won; acabar por dar menos atenção ao filho mais jovem e não deficiente Yun Jung Won (Baek Sung Hyun), que em diversos momentos ressente-se com a mãe e até o próprio irmão; além de ver o seu casamento com o pai dos meninos, vivido pela ator Ahn Nae Sang, aos poucos deteriorar-se e acabar.

Porém, uma coisa é certa: não há nada que uma mãe determinada e atenciosa não consiga. Ainda que Cho Won regularmente tivesse colapsos, morde a si mesmo e encontra muitas dificuldades para comunicar-se com os outros, a mãe observadora acaba por perceber que o filho desenvolve ao longo dos anos um interesse especial por correr. Desta forma, ela contrata Jung Wook (Lee Ki Young), um maratonista que está servindo horas de serviço comunitário como professor de educação física por dirigir embriagado.

Após várias recusas, ele aceita de má vontade a oferta de treinar Cho Won na maratona, mas vai demorar para compreender que a interação com o jovem autista pode proporcionar-lhe a chance de ter novos propósitos na vida. Como mencionado anteriormente, trata-se de uma oportunidade não apenas para Chon Won que vai descobrindo e abrindo-se mais para o mundo, como também para os demais que interagem com ele reformularem suas vidas.

Ainda que alguns personagens como o próprio pai e o irmão pudessem ter uma presença mais efetiva, não permanecendo tão alheios e distantes do núcleo que se estabelece entre mãe, filho e treinador, suas curtas participações acabam promovendo um entendimento maior do contexto complicado desta família. Mas é a interação bastante íntima e intensa do trio de atores Cho Seung Woo, Kim Mi Sook e Lee Ki Young que carrega a dramaticidade, sem exageros, de todo o filme. Ela proporciona a sensação à plateia de estar em uma situação bastante real, ou melhor cotidiana, incitando uma intensa empatia por aqueles personagens.

A interação entre os atores Cho Seung Woo, Kim Mi Sook e
Lee Ki Young promove ao filme a intensa carga dramática que necessita, mas sem exageros. Crédito: Asianwiki.

No entanto, o destaque maior vai para Cho Seung Woo que teve oportunidade de formular uma de suas melhores atuações, sendo muito premiado e consagrando a sua carreira, ao dar naturalidade à personalidade do jovem e carinhoso Chon Won. Em torno de 5 milhões de sul-coreanos prestigiaram “Maratona”, o quarto filme coreano mais assistido em 2005. Tal sucesso pode ser talvez explicado pelo sentimento de esperança e resiliência que esta obra é capaz de incutir no espectador, ao mostrar a capacidade que o ser humano tem para encontrar as mais diversas saídas aos piores obstáculos que a vida impõe.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: http://bit.ly/koreapost-maratoma

Título: 말아톤 (Maraton)
Título em português e inglês: Maratona/Marathon
País: Coreia do Sul
Direção: Yoon Chul Jeong
Roteirista: Yoon-Chul Jeong, Song Ye Jin, Yoon Jin Ho
Elenco: Cho Seung Woo, Kim Mi Sook, Lee Ki Young, Baek Sung Hyun
Duração: 1h57min
Lançamento: 27 de janeiro de 2005
Idioma: coreano
Legendas: inglês, português

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por Anders Noren

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