A série “Borgen” e um ensaio sobre a política para adultos

Sidse Babett vive a primeira ministra Birgitte Nyborg em “Borgen”. Crédito: Netflix.

Não venho assistindo muita coisa…mas, recentemente, maratonei a série dinamarquesa “Borgen” (2010-2013), disponível no catálogo do Netflix. Criada por Adam Price, o enredo acompanha a personagem Birgitte Nyborg (fantasticamente interpretada por Sidse Babett Knudsen), líder do partido moderado e que, pelas circunstâncias do cenário político, assume o posto de primeira ministra do pequeno país escandinavo.

Para nós, brasileiros, a série traz muitos benefícios. Ela ensina que é possível falar sobre política SEM SATANIZÁ-LA, na contramão de besteiras como “O Mecanismo” (do inacreditável José Padilha) ou mesmo “House of Cards” (concebida, ao menos no seu início, pelo Fincher). Mesmo mostrando os interesses, as concessões, as negociações, as traições…existe um respeito pela prática política…pelo debate político…como a tecnologia social mais civilizada à disposição de uma sociedade moderna para que ela possa resolver seus problemas.

Crédito: divulgação.

A série revela os bastidores da política dinamarquesa, um dos mais igualitários países do mundo. Mas, mesmo essa sociedade possui suas contradições, tensões e conflitos. Muitos dos temas presentes em outras sociedades estão aqui, o que fez a série ter ressonância global: a extrema direita exigindo políticas restritivas aos imigrantes, os cortes nos investimentos sociais como exigência dos liberais, os socialistas distantes dos trabalhadores e agendas históricas, a espetacularização da notícia, a influência cada vez mais indisfarçável do poder financeiro no jogo político…O roteiro equilibra bem os desafios políticos de Birgitte com as dificuldades adicionais de uma mulher ocupando um cargo executivo (pressão dos filhos, incompreensão do marido). E que direção de atores…O elenco todo está muito bem.

Politicamente, a série aposta na tal “terceira via”… Birgitte é uma política do centro, conciliando agendas de esquerda – liberdades individuais, respeito aos imigrantes – com outras, tecnocráticas e tipicamente liberais, como privatizações e diminuição do sistema de proteção social. A primeira ministra da série é uma política realista, bem intencionada, mas sem abdicar do pragmatismo, quando necessário…Os produtores retratam o mundo do seu tempo…a extrema direita global ainda não tinha revelado-se em toda a sua influência global. Por isso, e em especial nas duas últimas temporadas, a série discute mais os limites éticos da imprensa – na sua espiral de radicalização e sensacionalismo (um tema bem brasileiro) – do que propriamente as agendas ou mesmo o embate ideológico entre as diversas forças políticas no cenário dinamarquês.

Para nós, aqui no Brasil, é uma oportunidade de entender um pouco mais os ritos do sistema parlamentarista, mesmo ajustado para a realidade dinamarquesa. Para além de concordamos (ou não) com alguns aspectos da série – sobretudo políticos – é inegável o bom texto, a produção correta e o ótimo trabalho dos atores. E, de quebra, sermos convidados a refletir sobre o solitário exercício do poder, de uma forma adulta. Nada mais distante do universo de Borgen do que o Brasil atual, no seu horrendo mergulho nas trevas estéticas e morais do Bolsonarismo… Por isso mesmo, e sobretudo para nós, brasileiros, a série apresenta-se como entretenimento indispensável.

Fonte: texto originalmente publicado no site do O Beco do Cinema.
Link direto: https://obecodocinema.wordpress.com/2021/05/15/a-serie-borgen-e-um-ensaio-sobre-a-politica-para-adultos/

 

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por Anders Noren

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