“Jogo do Poder”, de Costa-Gravas: a crise na Grécia, a ganância alemã e uma União Europeia subjugada

Durante protesto na época, os cidadãos gregos exigiam o fim da Troika. Crédito: Des Byrne/Revista Ópera.

Aos 88 anos o cineasta grego Costa-Gravas está mais combativo do que nunca e seu cinema denúncia mostra-se urgente, em especial o seu mais novo trabalho “Jogo do Poder” (Adults in the Room), onde ele entra nos meandros da crise econômica e política de sua terra natal: a Grécia. O filme chega aos cinemas brasileiros em 12 de agosto com distribuição da Califórnia Filmes. Para quem tem interesse em fatos históricos e suas consequências para a vida cotidiana dos indivíduos é sabido que, por ao menos duas vezes, a Alemanha tentou expandir seus domínios sobre a Europa pela via bélica, mas não saiu vitoriosa. Porém, anos depois, pela via econômica, ela atingiu finalmente seus objetivos imperialistas e o resultado não poderia ser mais desastroso para o velho continente e para União Europeia.

A base da narrativa de Gravas está nas memórias do ex-ministro das finanças Yanis Varoufakis“Adultos na Sala: Minha Batalha Contra o Establishment”, que é o personagem central do longa, interpretado por Christos Loulis. O filme é essencialmente uma explicação objetiva e clara das origens da crise econômica grega e da luta de Varoufakis durante as negociações com o Eurogrupo, agrupamento informal que reúne os ministros das finanças dos Estados-Membros da União Europeia e visa estreitar a coordenação das políticas econômicas do bloco. O então ministro integrou o Governo Tsipras, em 2015, do partido de esquerda Syriza, eleito pelo povo grego com a promessa justamente de acabar com a dívida.

“Jogo do Poder!” (2021), de Costra-Gravas. Crédito: divulgação.

Varoufakis e parte de seus colegas travam uma frente e estabelecem uma proposta para acabar com as medidas de austeridade impostas pela chamada Troika (termo usado para fazer referência ao grupo composto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional) à Grécia. Basicamente, o plano era renegociar a dívida e promover políticas de desenvolvimento econômico e social, para que o Estado grego fosse capaz de gerar renda e quitar seus compromissos com tais instituições.

Contudo, em inúmeras viagens pelas economias mais ricas da Europa e durante reuniões, o ministro e seus colegas são recebidos com todos os tipos de humilhações possíveis. Gravas deixa claro que não se trata apenas de negócios, mas de um verdadeiro preconceito e um desdém que, em especial, alemães e ingleses, têm por países como a Grécia. Mesmo a França, uma vez aliada, esquiva-se amedrontada por Berlim.

O diretor Costa-Gravas. Crédito: divulgação.

A proposta realista de Varoufakis e sua constante insistência em não entrar em acordo com o Eurogrupo e a Troika teve apoio do então primeiro-ministro Aléxis Tsípras, vivido pelo ator Alexandros Bourdoumis. Ambos chegam a convocar histórico referendo à população grega, onde indagam se deveriam assinar ou não o acordo. Porém, mesmo tendo o total apoio dos gregos que votaram com um contundente não ao acordo, as forças alemãs mostram-se implacáveis e Tsípras cede, provocando a renúncia de Varoufakis. As medidas austeras, em outras palavras a implementação de política neoliberais, exigem o corte de gastos públicos para pagar a dívida do Estado. Após anos de governos de direitas terem seguido os ditames da Troika, a Grécia encontrou-se e permanece em uma situação equivalente a de países cujas economias são dependentes da exportação do petróleo.

O Estado grego, em um ciclo vicioso onde as forças europeias, controladas por economistas alemães, forçam a realização contínua de empréstimos, jamais conseguirá pagar uma dívida que só expande. Ao mesmo tempo, a economia grega segue improdutiva e sem capacidade de gerar riquezas que façam tal dívida realmente ser quitada. Tal situação convém também às grandes empresas estatais alemãs, que aproveitam para exigir privatizações de setores estratégicos gregos, como portos e outros, no intuito de lucrar e controlar tais recursos e áreas essenciais à economia nacional grega. Ou seja, ao ceder grande parte de sua soberania para fazer parte da União Europeia, o que a Grécia teria ganho com tal decisão? A pergunta permanece no ar e a resposta é clara: até o momento, nada.

Com uma economia ainda em ruínas, a ascensão da extrema-direita nazista, que na época já era o terceiro maior partido no parlamento grego, o recado de Gravas não poderia ser mais claro: o sonho europeu está ameaçado. Ou se acaba com o controle do capitalismo neoliberal alemão, inicia-se a promoção de uma União Europeia mais igualitária, com uma união política que iguale os poderes dos países membros e onde políticas sociais sejam o foco, ou a tendência é que o continente europeu volte a enfrentar crises humanitárias e sociais, econômicas e políticas profundas.

Tais resultados tendem a gerar governos de direita extrema e, possivelmente, conflitos regionais. Não está fora de questão também até o desmantelamento da própria União. A Inglaterra está aí como exemplo. A União Europeia que antes foi um sonho para por fim aos séculos de guerra e injustiças, está ameaçada mais uma vez pela ganância extrema de seus membros mais poderosos.

“Jogo do Poder!” (2021), de Costra-Gravas. Crédito: Jessica Forde/ KG Productions.

Momentos chaves que ilustram a humilhação grega no filme, é quando Varoufakis, em uma reunião com credores em Londres, não é apenas destratado como não pagador de suas dívidas, mas também sugerem a ele vender o Partenon. Ele retruca: “O Partenon é um patrimônio da humanidade, não compete a mim vendê-lo”. Da mesma forma, quando o ministro vai a outro encontro com alemães em uma de suas viagens, uma festa grega acontece no saguão no prédio em questão.

O funcionário que o acompanha afirma ser uma autêntica festa grega, com danças típicas, muita música, comida e cantoria. Varoufakis responde: “sim é a única coisa que os alemães não conseguiram arrancar de nós gregos ainda”. Com atuações na medida e com um roteiro que visa principalmente narrar as relações de poder e denunciar a opressão do sistema, Gravas mais uma vez, como em “Z” de 1969, exibe um real patriotismo e o compromisso com o seu povo, tornando-se mais uma vez universal, já que a luta é mundial. O Brasil que o diga!

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por Anders Noren

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