América Latina e China, por que as diferenças culturais criam oportunidades

VCG/VCG Crédito; Getty Images/americasquarterly.

A América Latina, como a região com a maior concentração de economias emergentes e em desenvolvimento de média e alta renda do mundo, tornou-se o segundo maior destino de investimentos chineses no exterior. Em entrevista exclusiva ao “Leste-Oeste” da CNA, Steven Zottele, pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Changzhou e professor de origem argentina, fala sobre a “terceira via” para a China e a América Latina em promover os laços interpessoais sob o conceito de “sinergia cultural”.

Um primeiro olhar sobre a China: o país mais remoto e misterioso

No globo terrestre, China e Argentina estão exatamente nos contrários, e ambos são os “países mais distantes” um do outro. Aos 5 anos de idade, uma trupe de acrobacias chinesas foi à Argentina realizar uma apresentação que foi responsável por apresentar a China à Steven pela primeira vez. Quando ele, já com 28 anos, realmente pisou em solo chinês, o calendário tinha mudado para 1999. Em sua primeira visita à China, Steven enfrentou uma “lacuna de comunicação”. “Eu não sabia mandarim e meu inglês também não era bom. A internet não estava tão desenvolvida como está agora, então levei comigo um dicionário e um guia de viagem“, relembra.

Apesar da barreira linguística, Steven viajava pela China, por parte de seu território. Quando voltou à Argentina, Steven quis encontrar alguns livros para estudar a fundo a cultura chinesa, mas só encontrou um sobre a história do país, em uma livraria, e era em francês. “Se você quer estudar a China profundamente, precisa aprender chinês.” Esta idéia nasceu em sua mente e foi rapidamente posta em prática. Depois de muitas voltas e reviravoltas, Steven encontrou a única escola local que ensinava mandarim na Argentina.

Na época, na Argentina, todo mundo pensava que o chinês era a ‘língua mais difícil. Aliás, era comum quando encontrávamos um problema difícil de resolver dizer: ‘Isso é muito difícil, tão difícil quanto o chinês‘”. Três vezes por semana, ele ia para Chinatown para aprender mandarim e provar a culinária chinesa. Após vários anos de “imersão”, Steven veio à Universidade Renmin da China em 2004 e oficialmente traçou o caminho para os estudos chineses que poucas pessoas nas regiões da América do Sul, Central e México tinham a oportunidade na época.

O pai de Steven, Aníbal Zottele, decidiu também se dedicar aos estudos sobre a China depois de ouvir os relatos do filho sobre o que ele tinha visto e ouvido na China. Em especial, iniciou os estudos com foco no desenvolvimento da China e das relações sino-argentinas. Em 2008, recebeu um convite da Universidade de Veracruz , México, para liderar o recém-criado Centro de Estudos da China. Hoje, tanto Aníbal Zottele quanto seu filho são especialistas em China: um no México estudando o modelo desenvolvimentista Chinês e o outro na China promovendo o intercâmbio cultural entre a América Latina e a China.

Do “Navio chinês” à iniciativa “Cinturão e Rota”

Segundo o pesquisador filho, quando se trata de intercâmbio entre a China e a América Latina, devemos começar com as expedições chinesas para o continente americano. De 1565 a 1815, “navios chineses” levaram produtos asiáticos como seda e tecidos para as Américas através do porto mexicano de Acapulco. Em suas viagens de retorno, os navios foram carregados com especiarias, bebidas e outras especialidades da América Latina.

Uma odisseia chinesa: as expedições do navegador Zheng He que chegaram à costa da África

Steven afirma que este é o primeiro comércio bilateral entre a América Latina e a China. A ascensão econômica do país asiático tem influenciado a reconstrução da paisagem geopolítica mundial. Desde 2001, as relações entre a China e a América Latina tornaram-se cada vez mais estreitas. Em particular, depois que os chineses propuseram a Iniciativa “Cinturão e Rota” em 2013, as relações econômicas e comerciais entre a China e a América Latina, especificamente o desenvolvimento da infra-estrutura como um elemento importante, intensificaram-se, com frequentes intercâmbios de pessoas, cultura e turismo.

Steven citou um conjunto de dados da alfândega chinesa: em 2018, o comércio total da China com a América Latina e o Caribe atingiu US$307,4 bilhões de dólares, um aumento de 19,2% em relação ao ano anterior; em 2019, o comércio total entre a China e a América Latina atingiu um novo recorde de US$317,37 bilhões de dólares. Com o rápido desenvolvimento da cooperação econômica, comercial e de investimentos entre a China e a América Latina, o país asiático tornou-se agora o segundo maior país parceiro comercial da América Latina em geral, e a região do continente americano tornou-se o segundo maior destino dos investimentos chineses no exterior, depois da Ásia.

Hoje em dia, a impressão dos chineses sobre a América Latina não é mais apenas a “Terra do Futebol”, onde são produzidas as “Botas de Ouro” ou o “Dia dos Mortos” em “Viagens dos Sonhos”. Já os latino-americanos também passaram a ver a China para além da “lenda do circo” (arte circense por séculos e milênios foi considera o símbolo da cultura chinesa pelos estrangeiros), por meio da construção de infraestrutura e do desenvolvimento da Internet. Assim, Steven dedica-se há muitos anos ao estudo do comércio América Latina-China e, para ele, a situação da área continua melhorando, além do aumento do volume, sua conotação e extensão são cada vez mais ricas.

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No passado, as exportações latino-americanas para a China se concentravam na agricultura e na mineração. Agora, estão cobrindo mais campos e grupos“. As últimas pesquisas de Steven mostram que as pequenas e médias empresas (PMEs), que constituem 90% das economias latino-americanas, representam menos de 10% do comércio bilateral entre a América Latina e a China. Portanto, para fazer com que a Iniciativa de Cinturão e Rota chegue a mais PMEs, as diferenças culturais e linguísticas tornam-se um elo que não pode ser contornado.

A “terceira via” de intercâmbio cultural

Em 17 anos na China, Steven tornou-se um mensageiro de intercâmbios entre a América Latina e a China, e uma referência em muitas áreas das relações entre a América Latina e a China. Em 2017, com o objetivo de promover intercâmbios não governamentais entre Argentina e China, Steven fundou a Associação Argentina na China em Pequim, que atualmente conta com mais de 200 membros. Ele também realizou o trabalho de divulgação do Centro de Pesquisa da América Latina da Universidade de Changzhou e estabeleceu boas relações de cooperação com as embaixadas e consulados de muitos países latino-americanos.

Na opinião de Steven, a América Latina e a China têm muitas complementaridades econômicas, e isso requer sinergia cultural. “Acredito que o intercâmbio intercultural não se trata de comentar os pontos fortes e fracos culturais ou usar uma cultura para eliminar outra, mas sim de alcançar uma sinergia baseada na compreensão mútua“. Steven explicou ainda que existem enormes diferenças na história e cultura entre a América Latina e a China. “Além disso, também existem grandes diferenças culturais entre os países latino-americanos e dentro da China. Agora que diferentes países, empresas e organizações multinacionais estão participando da Iniciativa Cinturão e Rota, é importante que eles possam se comunicar e cooperar plenamente, compreender as culturas uns dos outros e enfrentar suas diferenças“.

O desenvolvimento econômico e comercial da China-América Latina é uma necessidade histórica

As diferenças culturais são moldadas pela história e pela geografia, não há certo ou errado”. Steven sugere que o intercâmbio cultural não é sobre “certo e errado”, sobre a definição de méritos e deméritos culturais. “O objetivo não é ‘discutir o certo e o errado’ ou ‘distinguir entre superior e inferior’, mas encontrar uma forma de ‘sinergia cultural‘”. As diferenças entre os dois lados, na opinião de Steven, ao invés disso, ajudam a formar uma solução melhor- uma “terceira via”. São as culturas com visões diferentes que têm o potencial de, juntas, buscarem um caminho para um futuro melhor.

É possível dizer que as diferenças culturais não são um problema, mas uma oportunidade”.
Seguindo essa filosofia, Steven não apenas ensina espanhol na China e transmite a cultura argentina e das demais nações irmãs de seu país, mas também traduz constantemente a legislação, história e monografias sobre economia destes países para o chinês, para referência de empresas chinesas que investem na América Latina. Ele espera tornar-se um “navio chinês” cultural, desta vez trazendo os povos da região a bordo para que eles possam ver a China por si mesmos.

Ele disse: “Nos últimos anos, o que mais me deixa feliz é que cada vez mais cidadãos de várias nações que compreendem a região hoje chamada de América Latina têm vindo à China, andado e explorado por si próprios o país. Não preciso dizer muito sobre as mudanças na China, acredito que as pessoas terão seu próprio julgamento após terem tomado o trem-bala, experimentado a vida conveniente da internet e interagido com o entusiástico povo chinês”.

Yang Yanci e Tang Juan
Jornalistas do Diário Chinês para a América do Sul
Tradução de Pan Luodan
Jornalista do Diário Chinês para a América do Sul

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por Anders Noren

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