As Contradições do Desenvolvimento Econômico Sul-coreano.

Cena do filme “The Bacchus Lady” (2016), dirigida por E J-yong.

A Coreia do Sul é conhecida por sua cultura tradicional que leva bastante em conta o respeito aos mais velhos, possuindo inclusive diferentes formas de expressão e fala para os mais jovens comunicarem-se e se dirigirem aos que possuem idade avançada. Contudo, ainda que sejam tratados de forma honrosa por seus compatriotas, a vida pode ser bastante difícil aos que se encontram na terceira idade no país, pois, surpreendentemente, boa parte dos idosos vive em situação de pobreza. As razões para tal são as mais diversas

Conforme o jornal britânico “The Guardian”, um estudo publicado ano passado pela revista “The Lancet”, um dos periódicos especializado mais antigos da área médica, constatou um dado interessante: as mulheres nascidas na Coreia do Sul em 2030 podem chegar a viver, em média, até os 90 anos. Tal contexto pode fazer a Coreia ultrapassar o Japão como país que possui a população com maior longevidade global.

Desta forma, os sul-coreanos terão o maior índice de expectativa de vida do mundo industrializado. O mesmo prognóstico foi feito para os homens, que podem chegar aos 84 anos. Contudo, o que parece um ótimo cenário a priori, torna-se, na realidade, um problema, quando o país encontra falhas no sistema estatal de bem-estar social e a economia começa a sentir as consequências deste rápido envelhecimento populacional.

As mulheres sul-coreanas, em 2030, podem chegar a viver 90 anos, segundo estudo. Crédito: Park Hae-mook/The Korea Herald

Após a guerra civil de 1950-53, o país experimentou um rápido desenvolvimento econômico, tornando-se um exportador de sucesso de produtos com alto valor agregado que vão de eletrônicos e smartphones à indústria cultural do K-Pop. Contudo, a Coreia do Sul tem quase metade dos seus cidadãos com mais de 65 anos vivendo, no momento, em relativa pobreza, de acordo com dados da OCDE. A pesquisa ainda constatou que 48,6% dos idosos estavam em situação de pobreza (definida como ganhando 50% ou menos da renda familiar média) em 2011. Na mesma reportagem, o jornalista Justin McCurry destaca que cerca de um quarto dos idosos mora sozinho. Por esta e outras razões, como altos níveis de isolamento e depressão, houve um aumento dramático no número de suicídios, de 34 por 100.000 pessoas em 2000, para 72 em 2010.

Consequentemente, de acordo com o repórter, algumas evidências indicam que muitos decidem tirar suas próprias vidas para evitar serem um fardo para suas famílias. Trata-se de um paradoxo, pois apesar de viverem por muito tempo, boa parte da população sul-coreana, ao envelhecer, pode chegar a experiênciar condições de pobreza semelhantes a de países emergentes. Este é um contexto bastante contraditório que demonstra haver também em países desenvolvidos grandes disparidades sociais a serem corrigidas. Evidencia ainda que crescimento e desenvolvimento econômico não estão necessariamente relacionados a ideia de sociedade mais justa e mais socialmente igualitária. As causas para tal situação estão além da recente falta de empregos que a Coreia vem experimentando atualmente; elas vão desde a falta de estrutura estatal que atenda as necessidades da população idosa, a exemplo de uma previdência pública sólida, a questões culturais.

Quase metade dos cidadãos com mais de 65 anos vivem em relativa pobreza. Crédito: The Borgen Project

O professor de sociologia na Universidade de Chung-Ang, em Seul, Shin Kwang-yeong, observa que o custo de sustentar o futuro dos filhos pode ser uma das razões por trás do problema. Muitos cidadãos acabaram sendo incapazes de fazer economias suficientes para a vida na terceira idade, já que o custo total para manter o alto padrão educacional de seus descendentes é bastante alto.

Parte deste grande esforço vem da tradição de que os filhos devem obrigatoriamente serem bem-sucedidos e dar suporte aos pais. Esta questão, por sua vez, sufocou o surgimento de um estado de bem-estar social capaz de lidar com a sociedade que envelhece rapidamente na Coreia do Sul, segundo Shin. “Tradicionalmente, a ética confucionista garante que as crianças cuidem de seus pais idosos. Mas a unidade familiar passou por uma grande transformação nos últimos tempos. Cada vez menos idosos na Coreia do Sul vivem com seus filhos casados do que, digamos, no Japão. E a crescente polarização da sociedade sul-coreana significa que está ficando mais difícil para os filhos adultos apoiarem financeiramente seus pais”, explica Shin em entrevista a McCurry.

O filme The Bacchus Lady, do cineasta E. J. Young, lançado em 2016, retrata a realidade das prostitutas idosas na Coreia moderna. Crédito: USC Cinematic Arts

Para o jornalista sul-coreano Hyung-Jin Kim, o lado mais sombrio desta ascensão econômica de seu país está refletido nas idosas que são obrigadas a prostituírem-se para comer e comprar remédios. Para ele, a classe média sul-coreana, crescente e ultracompetitiva, preocupa-se apenas em progredir em sua carreira, deixando os idosos à própria sorte. Conforme ele, muitas mulheres, apesar do desenvolvimento econômico nacional depois da guerra, não receberam oportunidades de emprego e educação semelhantes aos homens quando eram jovens.

Ele ainda destaca que o preconceito é outro fator que contribui para tamanho caos, já que mulheres divorciadas, viúvas, ou simplesmente abandonadas pelos familiares são malvistas pela sociedade. Sem qualquer rede de segurança social, elas acabam tendo de recorrer a prostituição, em um ato desesperado para auto sustento, ou até criação dos netos, deixados pelos filhos. Os casos são os mais diversos. Existem mulheres que devem sustentar os pais doentes, ou que tem filhos deficientes, ou que são analfabetas e outras são estrangeiras de origem coreana, que buscavam uma vida melhor no país.

Imagens da reportagem feita pela CNA Insider sobre idosas prostitutas na Coreia do Sul

A rigidez dos costumes coreanos também influencia na perpetuação deste contexto, já que segundos casamentos ainda são tabu nesta sociedade. Da mesma forma, as dificuldades de relacionamento encontradas no seio familiar resultam em adultos muitas vezes com grandes dificuldades para expressarem seus sentimentos e que acabam tendo uma vida bastante solitária. Conforme o jornalista Hyung, muitos homens idosos foram obrigados a sacrificar suas vidas pessoais pelas empresas em que trabalhavam, mantendo as emoções escondidas. Um homem de 78 anos confessou-lhe pagar pela companhia de prostitutas idosas, somente para conversar, tocar-lhe os seios e as mãos.

Crédito: Japan Times

A Coreia não é o único país a enfrentar tal situação que, na realidade, é mundial. Poucos entendem que um sistema econômico cria um código de valores que acaba por estabelecer a forma como as relações sociais acabam sendo construídas. O sistema capitalista é baseado na supervalorização das liberdades individuais em detrimento do coletivo, como também impulsiona a competitividade desenfreada, em todos os seus níveis, como algo saudável.

Não há dúvida que muitas crises sociais atuais ocorrem em razão também desta situação e de um neoliberalismo financeiro, onde bancos e conglomerados empresariais privados têm um poder maior que do Estado, que passa a ter sua capacidade de intervir na economia cada vez mais enfraquecida. Consequentemente, um setor privado que não se preocupa com o coletivo, não vai suprir as demandas sociais necessárias para uma vida melhor para todos, produzindo as crises político-sociais e econômicas que vivenciamos nos dias de hoje.

Fonte: Texto originalmente publicado no site do Koreapost
Link direto: http://www.koreapost.com.br/coreia-na-real/pobreza-e-prostituicao-de-idosas-contradicoes-desenvolvimento-economico-sul-coreano/

Veja a reportagem da CNA Insider:

“The Bacchus Lady” (2016), dirigido por E J-yong

 

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por Anders Noren

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